Informe da observação eleitoral em Honduras pelo PT (Brasil)

Segue informe feito pelo companheiro Kjeld Jakobsen, do PT Brasil.
Estive em Honduras entre os dias 22 e 25 de novembro representando o PT como observador nas eleições nacionais onde um partido de esquerda (Libertad y Refundación – Libre) participou pela primeira vez e com chances reais de vencer. Na eleição ocorrida dia 24 foram eleitos o presidente do país, os 128 deputados nacionais e os prefeitos municipais. Não há segundo turno e os votos nos deputados são por lista partidária com a possibilidade de os eleitores modificarem a ordem de sua composição a partir de votos nos candidatos de sua preferência no interior da lista.
O partido Libre resultou de uma composição entre políticos egressos do Partido Liberal ao qual pertencia o presidente deposto pela oligarquia e pelos militares em 2009, Manuel Zelaya e a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) que reuniu movimentos sociais, centrais sindicais, agrupamentos de esquerda, ONGs e personalidades em oposição ao golpe militar. Nesta eleição o Libre lançou como candidata a presidente, Xiomara Castro de Zelaya, e como primeiro vice-presidente, Juan Barahona, presidente da Federación Unitaria de Trabajadores de Honduras filiada à Central Unitaria de Trabajadores de Honduras (CUTH) e também coordenador da FNRP. O segundo e terceiro vices são respectivamente um intelectual e uma empresária. Ou seja, a chapa de presidente e vices reflete bem a composição social do partido – setores liberais, organizações sociais, grupos de esquerda e médio empresários.
Honduras possui uma população de aproximadamente oito milhões de habitantes e é um dos mais pobres e mais violentos da América Latina. A renda per cápita é em torno de US$ 4.000 e o índice de homicídios é de 86 por 100.000 habitantes (quatro vezes o índice brasileiro). Desde sua independência no início do século XIX, dois partidos se revezam no governo do país, o Partido Liberal (centro-direita) e o Partido Nacional (conservador de direita). A situação econômica e social piorou após o golpe ocorrido em julho de 2009 e a eleição em novembro do mesmo ano do atual presidente Porfírio Lobo do Partido Nacional, um governante que não foi reconhecido por muitos países uma vez que sua eleição se deu num estado de exceção.
A divida pública que comprometia 23% do PIB durante o governo de Manuel Zelaya agora alcançou 60% do PIB em função de empréstimos de curto prazo e a juros altos. A violência política e a criminalidade desenfreada ceifou a vida de aproximadamente 21.000 pessoas durante os últimos quatro anos. Os servidores públicos tem seus salários atrasados e vive-se uma situação de militarização constante do país conforme pode ser visto durante as eleições com a presença das forças armadas em todos os locais de votação. A maior parte da imprensa apóia abertamente os partidos de direita fazendo campanha o tempo todo, inclusive no dia da eleição e o Libre só pode contar com alguma simpatia e imparcialidade da Radio e TV Globo e da Telesur que, aliás, foram também os únicos em 2009 a condenarem abertamente o golpe, tendo sofrido intensa perseguição governamental durante os últimos quatro anos, inclusive com invasão de suas instalações pelo exército e destruição de todo seu equipamento.
A programação que eu acompanhei durante os quatro dias em Honduras foi a que a CUTH proporcionou à delegação sindical de observadores internacionais, pois não consegui estabelecer os contatos necessários com os responsáveis internacionais do Libre e provavelmente também não tinham uma programação específica. Mesmo assim, consegui registrar junto à candidata Xiomara Castro, aos candidatos a vice-presidente, a diversos candidatos parlamentares e municipais, bem como ao responsável internacional do Libre, Ricardo Salgado, que o PT estava presente na observação eleitoral, ao que todos demonstraram muito apreço e tecendo comentários sobre a repercussão do vídeo de apoio gravado pelo presidente Lula.
Esta programação foi a seguinte:
Dia 22:- Reunião com a candidata presidencial do Libre, Xiomara Castro, na cidade de Catacama onde ela expôs o quadro eleitoral, insistindo que as pesquisas recentes lhe davam uma dianteira de 10 a 11% sobre o segundo colocado, Juan Orlando Hernandez do Partido Nacional. Ressaltou, porém, que a metodologia de apuração adotado pelo Supremo Tribunal Eleitoral (STE) favorecia a manipulação do resultado, mas que a presença internacional com mais de 2.000 observadores, poderia inibir os abusos.
Ao me apresentar, ela fez questão de agradecer a solidariedade brasileira a Honduras e mostrar o vídeo de apoio gravado por Lula que foi proibido pelo STE de ser exibido sob a alegação de representar uma “ingerência estrangeira na eleição”. Ela também mencionou a parcialidade do tribunal neste aspecto, pois toda a propaganda de seus adversários acusando-a de “comunista e socialista do século XXI”, bem como as declarações de autoridades eclesiásticas de que “Honduras necessita de um bom homem para governar o país” foram mantidas no ar apesar de seus recursos judiciais. E mesmo uma cena de sua neta cantando o jingle da campanha também foi retirada do ar sob o argumento de exploração de imagem infantil.
Por fim, mencionou os desafios de governar Honduras a partir de janeiro de 2014 com todos os problemas mencionados anteriormente e as expectativas da população de obter respostas imediatas indicando assim a importância da solidariedade e cooperação internacional em continuidade ao processo eleitoral.
Dia 23:- Reuniões com ativistas sociais e candidatos do Libre a deputado e prefeito nas cidades de San Pedro Sula e Progreso. Particularmente, nesta última, observou-se que uma possível vitória do Libre significaria a derrota do grupo de Micheletti do Partido Liberal que tem sua base política na região, fato de suma importância uma vez que ele foi um dos mentores do golpe de estado de 2009 tendo usurpado a presidência do país. Parte da delegação sindical permaneceria nesta região para acompanhar a eleição no dia seguinte.
Dia 24:- Observação do processo eleitoral em diversas escolas em Tegucigalpa e acompanhamento de apuração de uma urna em um dos locais.
AVALIAÇÃO
A observação eleitoral internacional, segundo avaliação do Libre, contou com aproximadamente 2.000 pessoas de diversas origens e articuladas por organizações desde a OEA e União Europeia, pela CUTH, pela Via Campesina, pelo Libre e por organizações da sociedade civil hondurenha, particularmente por entidades de defesa dos direitos humanos, além de jornalistas. A presença partidária não era tão significativa, mas contou com a presença do senador paraguaio, Fernando Lugo, de cinco integrantes do Foro de São Paulo, incluindo Breno Altmann e eu pelo PT, além de alguns representantes de partidos de esquerda europeia como a Isquierda Unida da Espanha e as “Listas Unitárias” da Suécia e da Dinamarca. A delegação sindical, articulada pela CSA por solicitação da CUTH, tinha 12 integrantes do Brasil, Estados Unidos, República Dominicana, Panamá e Dinamarca.
Esta presença, embora pouco articulada do ponto de vista de distribuição dos observadores pelo país e de adoção de um procedimento comum, foi importante, ao menos, para conter abusos mais graves durante a coleta dos votos. Mesmo assim, os cabos eleitorais do Partido Nacional distribuíam um vale que possibilitava adquirir produtos Burger King e outros com desconto. Esta prática de compra de votos conhecido como “La Cachuleta” é ilegal, mas era feita abertamente em cada centro de votação, além do transporte de eleitores que envolvia vários partidos.
Os incidentes nos locais de votação durante a coleta de votos não foram tão relevantes, a eleição se desenvolveu com relativa tranquilidade e o comparecimento foi superior a 60%, um bom índice considerando que o voto não é obrigatório em Honduras. O problema estava na apuração e divulgação dos resultados eleitorais com a intenção visível de forçar um resultado favorável ao candidato do Partido Nacional, como bem alertaram antecipadamente os candidatos do Libre.
Em primeiro lugar, o país amanheceu militarizado e com o acesso a vários lugares como, por exemplo, o Palácio Presidencial, bloqueado. Cada centro de votação era vigiado por membros das Forças Armadas. Para mim representava um ambiente de intimidação, mas aparentemente o povo não lhe dava muita atenção, talvez por estar acostumado com isso desde o golpe militar de 2009.
Em segundo lugar, o Tribunal Superior Eleitoral é composto por representantes dos partidos políticos e não por magistrados, mas os partidos que tem assento são apenas os tradicionais e os novos como o Libre não tem qualquer representação. Alguns pequenos partidos que também disputaram a eleição presidencial exerceram o papel de assegurar hegemonia do Partido Nacional nas mesas de apuração. Uma medida adotada pelo presidente do Tribunal que também é do Partido Nacional, foi a de propor um pacto com os meios de comunicação de só começarem a divulgar resultados eleitorais e pesquisas de boca de urna duas horas após a abertura das urnas. Todos os meios com exceção da Rádio e TV Globo e Telesur assinaram este pacto. A Globo promoveu uma pesquisa de boca de urna que dava uma vantagem de 3% de Xiomara sobre Juan Orlando, levando-a a declarar-se vencedora no início da noite.
O TSE contratou uma empresa privada (“Quickvoting”) para organizar a divulgação das parciais obtidas a partir do escaneamento das atas eleitorais que em seguida eram enviadas ao Tribunal. Embora a Globo começasse a divulgar resultados de urna por urna assim que a apuração começou, a primeira parcial oficial emitida duas horas depois do fim das eleições deu 34% dos votos para o candidato do Partido Nacional e 29% para a candidata do Libre.  A segunda parcial manteve esta diferença, mas aí tomamos conhecimento de que o Tribunal havia separado 1.700 atas para fazer auditoria sem apurar estes votos, majoritariamente do Libre, e que a polícia retirou os observadores internacionais que estavam acompanhando o processo no interior do TSE. Neste momento, o candidato do Partido Nacional, Juan Orlando Hernandez, se pronunciou como vencedor e pouco depois recebeu os cumprimentos de governantes da região como Oto Molina de Guatemala, Martinelli do Panamá e Manuel Santos da Colômbia. A tática era claramente estabelecer uma tendência de resultado que se transformasse em realidade.
No dia seguinte, o Libre denunciou estas manobras e questionou o resultado eleitoral que a esta altura provinha de 54% dos votos apurados sustentando-se na pesquisa de boca de urna com 3% de vantagem e em sua própria apuração paralela, aliás, bem organizada que projetava uma vitória de Xiomara com vantagem de 4,2% sobre Juan Orlando. Até o momento de produção deste informe, o impasse estava mantido com a perspectiva de mobilizações de protesto organizadas pelo Libre em caso de persistência do resultado. O candidato a presidente, Nasralla, pelo Partido Anti Corrupção (PAC) de centro (?) que, inclusive, foi o primeiro colocado na segunda cidade do país, San Pedro Sula com Xiomara em segundo lugar, também corroborou a denúncia de fraude eleitoral. (De acordo com o boletim do TSE o Partido Nacional estava em primeiro lugar, o Libre em segundo, o partido liberal em terceiro e o PAC em quarto. Os cinco outros partidos mal somavam 7% dos votos).
Independentemente dos desdobramentos desta disputa, a presença eleitoral relevante da esquerda em Honduras é agora uma realidade e rompeu o bipartidarismo tradicional entre conservadores e liberais que se revezavam no governo e traz outra perspectiva política para o país. O Libre contará com uma bancada representativa no parlamento, além de governar pela primeira vez algumas prefeituras, o que traz experiência concreta do exercício de governo com as vantagens e aprendizados que isso provoca, além da oportunidade de lidar com as contradições do poder.
Minha recomendação é o PT não reconhecer a vitória de Juan Orlando Hernandez e, pelo menos por enquanto, seguir de perto a vida política do país e estreitar as relações com o Libre, seus parlamentares e prefeitos e sugerir que as organizações sindicais e sociais brasileiras façam o mesmo com suas contra-partes hondurenhas.