A integração sul-americana e a infraestrutura

Contextualização
A América do Sul é uma região rica em recursos naturais, com alta diversidade biológica, que mantém ambiente de tolerância racial e religiosa e goza de homogeneidade linguística, o que lhe tem permitido construir sociedades e estados democráticos com grande potencial de crescimento e desenvolvimento.
A integração da América do Sul é condição essencial para o desenvolvimento sustentável da região.  A partir do MERCOSUL, da União de Nações Sul-Americanas – UNASUL e da Comunidade dos Estados Latino- Americanos e Caribenhos – CELAC a dimensão política da integração ganhou relevância e proporcionou aos países sul-americanos a unidade necessária para responder ao contexto desafiador que se impôs para a região no século XXI.  A concertação política construída a partir desses fóruns permitiu responder de forma coesa à crise interna da Bolívia em 2008, ao controle das bases militares na Colômbia pelos EUA, à crise vivida entre Colômbia e Venezuela, em 2010, e ao episódio do golpe parlamentar que derrubou o presidente Fernando Lugo no Paraguai, em 22 de junho de 2012.
Em 2013, a atitude dos governos da França, Espanha e Portugal, de negarem permissão de sobrevoo e aterrisagem ao avião do presidente da  Bolívia, Evo Morales, e as denúncias de espionagem feita pelo governo americano a vários países latino-americanos mereceram claro manifesto no Comunicado Conjunto dos Estados Partes do Mercosul e Estados Associados, em Montividéu, 12 de julho de 2013, onde a atitude dos países europeus em relação ao presidente Evo Morales foi considerada uma ofensiva a todo os países membros do Mercosul e merecedora de investigação, esclarecimento e correspondentes desculpas, além de inédito chamamento em consulta ao conjunto de embaixadores dos países signatários da declaração. Com respeito ao incidente sobre escutas telefónicas, motivado pelo vazamento de informações confidenciais na imprensa internacional, também manifestaram-se enfáticamente contra as ações de espionagem norte-americana e repudiaram qualquer pressão para a limitação do direito dos Estados de concederem de forma plena o Direito de Asilo.
Porém, quando avaliamos os aspectos institucionais, comerciais e, principalmente, produtivos da agenda integracionaista percebemos que ela não é capaz de responder aos desafios globais colocados pela crise econômica e financeira que está provocando grave desacelaração da economia mundial, com desvalorização dos preços internacionais das commodities, que ainda são os principais produtos de exportação da América do Sul.
As diversas iniciativas de articulação e integração na América do Sul
Apesar dos apelos históricos de lideres regionais como Simon Bolívar, que, em 1814, propôs uma aliança entre os povos sul-americanos para que do processo histórico de superação do período colonial emergisse uma América independente, soberana e republicana , apenas no século XX se concretizaram as iniciativas de integração regional. Nesse período citamos como importantes processos de integração a CAN (1969) – Comunidade Andina de Nações:Bolívia, Equador, Colômbia e Perú; OTCA (1978) –  Organização do Tratado de Cooperação Amazônico: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname e Venezuela; o Mercosul (1991): Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela; a Unasul (2008), envolvendo os 12 países da América do Sul e a CELAC (2010), Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos, que envolve os trinta e três países da América do Sul, Central e Caribe.
Sem dúvida, essas inciativas representam um contraponto ao projeto dos EUA para a Região, materializado na ALCA – Área de Livre Comércio das Américas. Porém, apesar dos esforços realizados, não são claros se os mandatos dados pelos Estados Sul-americanos a essas inciativas são suficientes para dotar a região de  capacidade para se contrapor às crises econômicas intensas, sucessivas e sistêmicas, ao aumento das desigualdades sociais e às tensões de novas coalizões políticas como a Aliança para o Pacífico (2012), envolvendo Chile, Colômbia, México e Peru – países que mantêm relações geopolíticas especiais com os Estados Unidos, ou, para enfrentar a inserção da China no espaço regional.
Como assinala Gerardo Caetano (2010), vivemos um contexto desafiador em que há de levar-se em conta os ”impactos dos avatares das agendas e processos nacionais, assim como a multiplicidade das propostas de integração e concertação política no continente , com seus distintos formatos e alcances institucionais, ideológicos, comerciais e produtivos.”
Duas iniciativas são fundamentais para avaliar o futuro da integração: o Mercosul e a UNASUL, ambas possuem potenciais expressivos para, articulados com os demais processos, mobilizar os recursos políticos e a estratégia econômica necessárias  ao desenvolvimento produtivo e a equidade social na região.
O Mercosul
O Mercosul foi instituído pelo tratado de Assunção, celebrado por Brasil e Argentina, com adesão do Paraguai e do Uruguai, em 26 de março de 1991. Porém, foi a entrada em vigor da Tarifa Externa Comum, em 01/01/1995, que marcou o início efetivo da união aduaneira.
Em 1998, em Ushuaia (Argentina), foi firmada a Declaração Política do Mercosul, Bolívia e Chile como zona de paz e adotou-se formalmente a “cláusula democrática”, que representa o marco do desenvolvimento de uma cultura política que nestes pouco mais de dez anos do sec XXI, será testada com êxito em vários episódios regionais e internacionais.
A partir de 2012, a Venezuela foi efetivada como Estado Parte do MERCOSUL, ampliando sua dimensão geopolítica e econômica, atingindo cerca de 70% da população da América do Sul e 83,2% do PIB regional, além de ampliar suas reservas energéticas, minerais e hiídricas. Também a Bolívia iniciou o processo formal de adesão como membro pleno do bloco. Iguais entendimentos estão em curso no sentido de obter adesão do Equador.
Na tabela abaixo fica evidente o potencial do Mercosul e as oportunidades de sua ampliação, e, ao mesmo tempo, as disparidades entre os países, seja em função da renda ou do volume do comércio internacional. Esse é o maior dos desafios a ser enfrentado pelo Mercosul, o futuro do Bloco depende da sua capacidade de construir as políticas necessárias para superar essa condição de extrema desigualdade na apropriação da renda regional.
Mercosul Indicadores Econômicos

PAÍSES

PIB (2009)

Comércio Internacional (US$milhões) (2010)

Exportações Importações
Argentina

310.065

68.893

56.084

Brasil

1.574.039

201.915

181.648

Paraguai

14.668

4.533

9.399

Uruguai

31.528

7.029

8.359

Venezuela

337.295

65.786

42.201

Mercosul

2.267.595

348.156

297.691

Bolívia

17.627

6.952

5.016

Chile

161.781

71.028

55.174

Mercosul Ampliado

2.447.003

426.136

357.881

Equador

57.303

17.489

20.590

Colômbia

228.836

39.819

40.682

Perú

126.766

35.073

29.879

Mercosul Ampliado + Com. Andina

2.859.908

518.517

449.032

 
Fonte: FEDERASUR, adaptado[1]
As assimetrias entre os países do Mercosul são um dos principais problemas para o seu pleno desenvolvimento, e estão presentes em todas as dimensões, hoje, conforme assinala Samuel Guimarães, “cerca de 90% do comércio intra Mercosul é o comércio entre Brasil e Argentina e cerca de 40 a 50% do comércio entre Brasil e Argentina corresponde a automóveis e autopeças, sendo um comércio entre megaempresas multinacionais, organizado pelos Estados, de acordo com as normas do acordo automotivo” .
A entrada da Venezuela é uma oportunidade para construir um maior equilíbrio econômico no Bloco, porém, não é suficiente para enfrentar o segundo problema apontado por Guimarães, o domínio das megaempresas multinacionais nas relações comerciais do Mercosul. Para isso, seria necessário um amplo programa de apoio à pequenas e médias empresas privadas dos países do Mercosul e uma coordenação dos investimentos das empresas estatais sulamericanas para que elas se firmassem como protagonistas do processo de integração.
Para enfrentar as assimitrias entre os países, o Mercosul insituiu o Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul – FOCEM, com o objetivo de elevar a competitividade dos sócios menores e daquelas regiões menos desenvolvidas do Bloco. Constituído em 2003, teve o seu primeiro orçamento aprovado em 2006, a partir de contribuições voluntárias, regulares US$ 127 milhões/ano e extraordinárias dos Estados Partes do Mercosul. Com o objetivo de promover a equidade na distribuição dos recursos, os aportes variam de acordo com a média histórica do Produto Interno Bruto (PIB) dos países, a Argentina contribui com 21,3% dos recursos do Fundo, o Brasil com 55,1%, o Paraguai com 0,8%, o Uruguai com 1,6% e a Venezuela com 21,3%. A relação inversa define o acesso ao Fundo, a Argentina pode retirar até o limite de 11,5% dos recursos, o Brasil, 11,5%, o Paraguai 39,3%, o Uruguai 26,2% e a Venezuela 11,5%.
Hoje, o FOCEM tem uma carteira de 43 projetos no valor total de US$ 1,3 bilhão. Destaque para o financiamento do projeto de Construção da Linha de Transmissão 500 kV – Vila Hayes, executado pela Itaipu Binacional, que visa à construção de uma linha de transmissão com duas subestações no Paraguai com extensão aproximada de 345 quilometros. O objetivo é disponibilizar maior quantidade de energia para viabilizar o crescimento econômico do Paraguai. O projeto, iniciado em 2010 e tendo conclusão prevista para o final de 2013, tem custo total de US$ 555 milhões, sendo o Brasil responsável por um aporte voluntário de US$ 300 milhões[2].
O FOCEM é um importante diferencial a favor do Mercosul e não há instrumento similar em outras iniciativas de integração sul-americana, porém, os recursos do Fundo ainda são insuficientes para a superação das assimetrias entre os países membros.
No âmbito da participação da sociedade no processo de integração, há no Mercosul um importante esforço de diálogo social institucionalizado desde 1994, o Foro Consultivo Econômico e Social do Mercosul, que é órgão consultivo de representação dos setores econômicos e sociais, integrado por igual número de representantes de cada Estado-Parte. Outra importante iniciativa nesse campo são as Cúpulas Sociais, hoje eventos regulares da agenda oficial do Bloco.
Vale ressaltar na arquitetura do Bloco o Parlamento do MERCOSUL, criado em 2005 como órgão de representação dos povos dos países membros. Constitui-se em órgão unicameral, independente e autônomo, que reúne-se mensalmente desde 2007 em Montevidéu. A composição final das bancadas (Brasil: 75 representantes; Argentina 43 representantes; Paraguai e Uruguai: 18 representantes) está condicionada à realização de eleições diretas para os parlamentares, que deverão ser realizadas até 2014, observando a regulamentação do pleito em cada Estado Parte.
O Mercosul é uma integração ainda limitada por sua opções originais que privilegiaram os resultados econômicos da Integração. Porém, com a expansão dos seus sócios e o apoio de outras iniciativas como a UNASUL, pode empregar sua experiência de quase dezoito anos na mobilização dos seus países membros na perspectiva de um projeto de desenvolvimento para o bloco. Nesse sentido, os espaços de participação, diálogo e representação parlamentar já instituídos podem ser o arcabouço para a concertação dos pactos sociais na medida em que avance a atual união aduaneira regional.
A UNASUL  – União de Nações Sul-Americanas
A Unasul é um espaço de articulação e de diálogo político dos 12 países da região.  Constituída em 2008, é a mais significativa expressão política do projeto de integração da América do Sul. Segundo o ex presidente Luíz Inácio Lula da Silva “com a Unasul, a América do Sul deixa de ser apenas um conceito geográfico. Passa a ser ator global, articulando em torno de um projeto amplo de integracão uma realidade política.” (Lula, 26/11/2010).
Para articular as iniciativas comuns de seus membros foram criados 12 Conselhos Ministeriais: Energia; Defesa (CDS); Educação; Cultura; Ciência, Tecnologia e Inovação (COSECCTI); Eleitoral; Saúde (CSS); Desenvolvimento Social (CSDS); Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN); Problema Mundial das Drogas; Economia e Finanças (CSEF); segurança cidadã, justiça e coordenação de ações contra a deliquência organizada e transnacional.
O Tratado Constitutivo em vigor desde março de 2011 enuncia uma unidade com características de multilateralidade regional, com  objetivos de desenvolver a região, reduzir as desigualdades sociais e promover a integração produtiva com potencialização dos seus amplos recursos humanos, energéticos, agrícolas, minerais e de biodiversidade.
A Conferência de Recursos Naturais e Desenvolvimento Integral da Unasul, realizada em 26 de maio de 2013, em Caracas, apontou nos recursos naturais da região, as maiores reservas do mundo em petróleo, água doce e de biodiversidade, a base para o desenvolvimento de estratégias produtivas comuns. Na abertura da Conferência o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que “há um mandato” para que os países da América do Sul construam “uma agenda articuladora a partir da fortaleza dos recursos naturais.” A Conferência propôs a elaboração de uma estratégia regional sobre o tema e encaminhou uma agenda de debates incluindo temas como recursos hídricos, florestas e biodiversidade, ciência, tecnologia e inovação, geologia e defesa dos recursos naturais.
Para dar efetividade a essa agenda de desenvolvimento regional um tema fundamental é o da infraestrutura e logística. As dimensões territoriais da região exigem integração física que viabilize a circulação de pessoas e o desenvolvimento produtivo integrado no âmbito da UNASUL.
A integração física
A ampliação da integração pressupõe o fortalecimento da integração física entre os países. Os maiores blocos econômicos do mundo cresceram e se consolidaram apoiando-se em infraestrutura moderna e integrada. Ou seja, a integração da infraestrutura regional sul-americana é condição necessária para a integração produtiva, comercial, política e social dos países sul-americanos.
A integração física, além disso, tem importante papel a cumprir numa agenda central do processo de integração e desenvolvimento na região, que é a superação das assimetrias territoriais. A provisão de infraestrutura em territórios historicamente isolados, a distribuição territorial dos investimentos, interiorização do desenvolvimento no continente que ainda hoje tem alto grau de concentração na sua linha litorânea, seja na costa atlântica ou pacífica, pode contribuir para um desenvolvimento mais harmonioso da região.
A constituição da União de Nações Sul-Americanas – UNASUL, com o objetivo de construir um espaço de integração e união no continente sul-americano, inclusive de sua infraestrutura, implicaria a constituição, no seu âmbito, do Conselho Sul-Americano de infraestrutura e Planejamento – COSIPLAN, em agosto de 2009. A UNASUL foi um grande avanço no processo integracionista, institucionalizando o diálogo político regional.  As preocupações expressas nesse fórum passaram a se refletir em vários aspectos setoriais da integração, inclusive na infraestrutura, que passa a considerar as assimetrias e o desenvolvimento endógeno.
O COSIPLAN foi instalado em junho de 2010, sob a presidência pro tempore do Equador, quando foram aprovados seus Estatuto e Regulamento, os quais incorporaram à estrutura a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional da América do Sul – IIRSA, criada em 2000, que passaria a exercer a função de Foro Técnico do COSIPLAN para aproveitar a experiência técnica e a competência metodológica desse fórum na discussão sobre infraestrutura no processo de integração regional.
Segundo a UNASUL, o COSIPAN deveria se orientar pelos princípios de integralidade e complementariedade das políticas, programas e projetos de infraestrutura regional;  participação cidadã e respeito aos direitos de todos os povos e sua diversidade multicultural, multiétnica e plurilíngue; gradualidade e flexibilidade na implementação das ações, reconhecendo as diferentes realidades nacionais e a solidariedade e cooperação na avaliação e priorização de projetos de integração. Os objetivos traçados para o COSIPLAN, com base nesses princípios, foram os de promover a conectividade da região a partir da construção de redes de infraestrutura para sua integração física, atendendo a critérios de desenvolvimento social e econômico sustentáveis e consolidar a Carteira de Projetos para a Integração da Infraestrutura Sul-americana, fomentando o uso intensivo de tecnologias de informação e comunicação, com o fim de superar barreiras geográficas e operativas dentro da região.
Porém, o COSIPLAN, desde a sua criação, tem tido muita dificuldade para exercer o mandato político que recebeu da UNASUL. A herança da IIRSA embora traga para o Conselho técnicos com conhecimento do processo histórico que consolidou a atual carteira de projetos COSIPLAN, por outro lado, o aprisiona em intermináveis discussões conceituais e meramente formais que absorvem a agenda de seus membros. Além disso, trás para o âmbito de um debate que deveria ser estratégico e eminentemente político, o arranjo administrativo da IIRSA que inclui os organismos financeiros multilaterais CAF, FONPLATA e BID.
Historicamente, a IIRSA é resultado da 1ª Reunião de Presidentes da América do Sul em Brasília, em agosto de 2000, quando se destacou a necessidade de integrar a infraestrutura regional (transportes, energia e comunicações), com o objetivo de ampliar a integração econômica dos países sul-americanos, porém, na perspectiva mercantil, atrelada aos interesses dos grandes mercados mundiais e elegendo como prioridade da plataforma logistíca a ser planejada a redução dos “custos sul-américa”.
A IIRSA, formulou um Plano de Ação para 10 anos que pretendia criar condições para escoar mais facilmente os recursos naturais dos países sul-americanos, principalmente, para os EUA e países europeus. O planejamento do território sul-americano adotava o conceito de Eixos de Integração e Desenvolvimento – EIDs, o mesmo já utilizado pelo Brasil para orientar seus investimentos em infraestrutura, no âmbito do seu Plano Plurianual 2000-2003 (Avança Brasil).
Para reorientar essa trajetória vinculada aos interesses estadunidenses, o COSIPLAN tem que assumir a direção da sua agenda, hoje capturada pela dinâmica da IIRSA, fortalecer a função de planejamento do desenvolvimento que lhe foi delegada e que encontra-se obscurecida pelas questões de infraestrutura. Caso não se alterem os procedimentos atuais, o COSIPLAN não poderá corresponder ao papel que lhe cabe na institucionalidade da UNASUL.
A infraestrutura é outro aspecto que demanda a necessidade de concertação entre as diversas inciativas de integração, por exemplo, a recém criada CELAC está elaborando o Plano de Ação Santiago que deve resultar em mais uma carteira de projetos de infraestrutura para a América Latina e Caribe. Dessa forma, em muitos aspectos irá se sobrepor a carteira COSIPLAN, ao Projeto Mesoamérica[3] e a projetos da Caribbean Community and Common Market – CARICOM[4].
A questão do financiamento
A partir da IIRSA, construiu-se em 2003/4, uma Carteira de Projetos de infraestrutura de integração da América do Sul, a qual congregava mais de 500 empreendimentos, envolvendo investimentos superiores a US$ 150 bilhões. Selecionaram-se, também, numa Agenda de Implementação Consensual – AIC (2005-2010), 30 projetos considerados prioritários pelos 12 países sul-americanos.
A participação das instituições financeiras na IIRSA tinha a intenção de facilitar o financiamento da Carteira de projetos, porém, passados sete anos, os dados demonstram que essa estratégia não foi exitosa pois esses bancos não pautam suas decisões de financiamanto pelos critérios de seleção da carteira IIRSA ou COSIPLAN.
Ao fim de 2011, dos 531 projetos então integrantes da Carteira Geral de Projetos, apenas 63 estavam concluídos (11,8%) e 159 apresentavam algum grau de execução (30%). Mesmo os projetos integrantes da AIC (2005-2010) – por definição a prioridade dos governos –, também apresentavam baixa execução: de 30 projetos, somente 2 brasileiros estavam concluídos; apenas 16 se encontravam em execução e os demais sequer haviam iniciado as obras.
Diversos diagnósticos indicam que o principal óbice à execução dos projetos de infraestrutura de integração, desde a constituição da Carteira Geral de Projetos em 2004, e mesmo da AIC – 2005-2010, tem sido a questão do financiamento.
Um dos fatores que podem explicar tal situação decorre do fato de que, na primeira metade da década passada, a maior parte ou senão a totalidade dos países sul-americanos encontrava-se em crise fiscal, submetidos a planos de estabilização econômica sob os auspícios do FMI. A realidade comum a todos se resumia numa baixa capacidade de investimento em infraestrutura. O Brasil, ainda que em situação economicamente mais favorável que os demais países Sul-americanos, por sua vez somente daria início à recuperação dos investimentos em infraestrutura a partir de 2005-2006 com o Projeto-Piloto de Investimentos – PPI, e a partir de 2007 com o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.
Somente a partir da segunda metade dos anos 2000, com a melhoria da situação fiscal, alguns países passaram a contar com financiamentos externos dos bancos multilaterais da região (e do BNDES), já que antes não tinham capacidade de endividamento suficiente para suprir seus deficits de infraestrutura. Entretanto, mesmo com a recuperação da capacidade de endividamento regional, ainda assim a participação dos bancos multilaterais no financiamento da Carteira de Projetos foi mínima.
Corrobora tal circunstância o fato de que o maior banco multilateral da região – o BID – financiou apenas 28 projetos da Carteira, no valor de US$ 2,8 bi, em investimentos de US$ 8,8 bilhões, ou seja, a participação do BID na Carteira Geral de Projetos (valor estimado de US$ 116 bilhões, em fins de 2011), ao longo de todo o período foi de menos de 8%. No caso da CAF, a sua participação foi ainda menor.[5] Essa baixa participação dos bancos multilaterais regionais no financiamento dos projetos de infraestrutura de integração também pode ser explicada pela priorização dos países em eleger, dentre seus projetos de infraestrutura a serem submetidos aos bancos, aqueles de interesse nacional que  apresentam maior retorno socioeconômico, e político.
Projetos de infraestrutura de integração são, em geral, concebidos para criar conexões antes inexistentes, ou que, embora possam já existir, operam em condições precárias ou ineficientes. A própria criação dessa nova infraestrutura é que poderá induzir o desenvolvimento econômico e social. São projetos que em não sendo financiados pelos próprios tesouros nacionais dificilmente terão atratividade para o setor privado. Tal situação fica agravada no caso de projetos multinacionais, quando a questão da financiabilidade torna-se ainda mais complexa.
Tendo por motivação o diagnóstico acima descrito sobre a questão do financiamento, foi constituído um Grupo de Trabalho sobre Mecanismos de Financiamento e Garantias, hoje presidido pelo Brasil, com o objetivo de desenhar ferramentas financeiras e facilitar a execução dos projetos da Agenda de Projetos Prioritários de Integração – API, desenvolvida e aprovada em novembro de 2011, sob a presidência pro tempore do Brasil no COSIPLAN.
A API está constituída por 31 projetos estruturados, congregando 88 projetos individuais pertencentes à Carteira Geral de Projetos, que foram selecionados consensualmente pelos governos dos 12 países sul-americanos conforme critérios previamente definidos, e somam no conjunto investimentos de cerca de US$ 17 bilhões.
Um grande diferencial da Carteira COSIPLAN é o reconhecimento de que a infraestrutura per se não determina o futuro do território e, portanto, a necessidade de estimular o desenvolvimento endógeno de cada região, não se limitando à constituição de corredores viários para escoar a produção regional destinada a mercados extrarregionais. O sentido do processo de integração física deveria ser, primordialmente, favorecer o incremento do comércio intrarregional e a inclusão social, mediante a geração de empregos e de riqueza internamente.
Nesse contexto, no âmbito do Plano de Ação Estratégico do COSIPLAN – PAE (2012-2022), foi aprovada a constituição de Programas Territoriais de Integração – PTI que complementassem a API. Esses PTI introduzem um novo conceito a ser incorporado ao processo de integração da infraestrutura regional, de modo que os projetos prioritários da API sejam complementados por ações de natureza regulatória e de planejamento territorial, que se constituam em um programa orientado à integração regional e ao desenvolvimento social e econômico das áreas de influência impactadas pelas novas infraestruturas.
A posição do Brasil
À guisa de conclusão, vale uma reflexão sobre o papel do Brasil no processo de integração. Dos pontos de vista geofísico, geoeconômico e geopolítico, o Brasil é muito importante no processo de integração e deve usar o seu potencial para fortalecer a agenda integracionista. Como declarou a presidenta Dilma Roussef na reunião de …. na UNASUL “o projeto integracionista é solidário e busca consolidar a América do Sul como uma zona de cooperação e desenvolvimento… “Devemos estabelecer modalidades consistentes de financiamento a exportações, devemos desenvolver convênios de crédito recíprocos, aperfeiçoar meios para superar barreiras pontuais. Enfim, avançando na integração física, energética, logística, e na cooperação na área de ciência e tecnologia.”
Praticamente todos os projetos do COSIPLAN no território brasileiro já foram concluídos, estão em execução ou já têm seu financiamento equacionado. Dito de outra forma, já chegamos ou estaremos chegando a curto prazo, nas nossas fronteiras. Hoje é premente  viabilizar os projetos no outro lado das fronteiras brasileiras, sem isso, não podemos falar de integração.
No caso de países de menor capacidade fiscal, alguns de seus projetos não conseguem equacionar a engenharia financeira necessária para iniciá-los. A questão central para a concretização desses empreendimentos, portanto, é a construção de arranjos financeiros adequados a cada projeto e à condição de cada país envolvido.
Embora o Brasil, por intermédio principalmente do BNDES, seja o principal financiador da infraestrutura na América do Sul, essa estratégia insere-se na sua política de comércio exterior que, embora relevante, é insuficiente para tratar o tema da integração da infraestrutura. Relevante notar que, dentre os projetos de infraestrutura na América do Sul apoiados pelo BNDES, que já desembolsou, entre 2000 e 2012, R$3,6 bilhões, se identifica apenas um claramente alinhado à carteira do COSIPLAN para a integração regional, os estudos que se referem ao projeto Túnel Água Negra localizado entre Argentina e Chile.
O BNDES tem sido e é o principal agente do nosso desenvolvimento, tendo como norte o interesse nacional. É do interesse nacional brasileiro a integração sul-americana, independentemente do território em que se localize a infraestrutura a ser implantada. Ou de forma isolada, ou em parceria com instituições multilaterais ou ao lado do Banco do Sul, o BNDES deveria ter um papel central no financiamento dos projetos de infraestrutura regional.
Por outro lado, identifica-se que determinados projetos carecem de mecanismos “heterodoxos” de financiamento, como é exemplo o caso da linha de transmissão de Itaipu a Assunção, quando o Brasil doou US$ 300 milhões ao Paraguai. Tal mecanismo somente foi possível por existir no âmbito do FOCEM o instrumento das contribuições voluntárias àquele Fundo, e por se tratar de empreendimento em país-membro do MERCOSUL.
Uma hipótese interessante seria a constituição de Fundo similar ao FOCEM no âmbito da UNASUL para financiar projetos de infraestrutura de integração. Como o ônus maior desse Fundo Unasul recairia sobre o Brasil, tal proposta depende, primordialmente, de uma decisão política do País.
Alternativamente, a expansão em curso do MERCOSUL, com a adesão da Bolívia e, possivelmente, do Equador a curto prazo, como países-membros, assim como a Guiana e o Suriname na condição de países-associados (que poderá evoluir para a adesão plena), poderá também gerar efeito equivalente, pois incluiria justamente aqueles países com menor capacidade fiscal do continente. Uma vez concretizado esse processo, esses países poderiam passar a financiar projetos da API também com recursos do FOCEM.
Outra oportunidade que poderia ser explorada é o fato do Brasil fazer parte de dois bolcos regionais importantes, o BRICS[6] e o IBAS[7]. No âmbito do BRICS, evolue a criação de uma instituição financeira voltada ao desenvolvimento dos países do Bloco. O novo banco complentaria as instituições existentes nos cinco países no financiamento de grandes projetos de infraestrutura, além de ser mais uma garantia frente às flutuações do mercado internacional. No primeiro desenho dessa instituição, que deverá ser formalizada na cúpula do Grupo em 2014, considera-se a possibilidade de ajudar outros países, os países sul-americanos poderiam ser um dos destinos desses recursos que priorizariam o financimento de infraestruturas da carteira COSIPLAN.
As pequenas e médias empresas brasileiras deveriam ser estimuladas a participar do processo de integração, formando consórcios ou associações com seus similares regionais. As grandes empresas nacionais quando fossem financiadas com recursos públicos deveriam evitar produzir efeitos deletérios sobre a integração, conforme sugere Guimarães (2010), elas deveriam ser usadas para ampliar a capacidade instalada nos países e não para adquirir empresas existentes.
O Brasil tem um papel destacado no processo de integração, mas tem recursos e capacidade política e econômica para atuar de forma mais coordenada com o conjunto de instrumentos que tem a sua disposição e que, se colocados a serviço da integração, poderiam fazer avançar com maior agilidade a agenda integracionista sul-americana.
 



[1] Costa, Darc. Integração Sul-Americana
[2] Plano Mais Brasil, PPA 2012-2015, Relatório Anual de Avaliação, ano base 2012. Volume I. Dimensão Estratégica, pg. 66.
[3] Países membros: Belize, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá e República Dominicana
[4] Países membros são: Antigua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Jamaica, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão e Neves, São Vicente e Granadinas, Suriname e Trinidad e Tobago. Fundada em 1973, admitiu Cuba como observador em 1988.
[5] O FONPLATA somente financiou alguns estudos e a elaboração de projetos.
[6] Brasil, Rússia, Indía, China e África do Sul
[7] Índia, Brasil e África do Sul