Documento base do XXVI Encontro do Foro de São Paulo

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I. Introdução

1. O XXVI Encontro do Foro de São Paulo (FSP) ocorre em um momento de profundas transformações na situação política da América Latina e Caribe, de uma mudança favorável na correlação de forças, marcada por rebeliões populares em quase todo o continente, que se expressam na agitação social, na crescente mobilização popular e na contestação ao projeto ideológico e político neoliberal capitalista, bem como nos processos eleitorais, nos quais amplas frentes democráticas e progressistas se reagrupam e novas forças surgem em cena, baseadas nas ideias coincidentes que o FSP propõe e defende. Ao mesmo tempo, as forças da direita e da extrema direita, deslocadas nas urnas, tentam voltar ao poder com o apoio do sistema judiciário e dos monopólios da informação.

2. Em cada fase da história recente surgem programas e propostas políticas que não só questionam profundamente a essência e os planos do imperialismo, mas que, mesmo tendo que enfrentar em vários casos e graus de resistência das oligarquias locais e seus poderes de fato, têm processos de distribuição progressiva de renda e mobilização das forças produtivas na luta pela erradicação da pobreza, equidade social e defesa dos direitos legítimos dos povos, cujas propostas fundamentais incluem a integração econômica, social e política na América Latina e Caribe.

3. Desde o XXV Encontro em Caracas, em 2019, até 2023, as forças organizadas, sociais e políticas que se reúnem neste espaço da esquerda continental protagonizaram uma intensa luta pela defesa dos direitos políticos, econômicos e sociais dos povos e a soberania nacinoal; enquanto, em sentido contrário, a direita pró-imperialista trilha o caminho do golpe, da ilegalidade, do desconhecimento das constituições e das leis. Suas ações se caracterizam por promover agressões armadas, golpes de estado, campanhas midiáticas e cibernéticas baseadas em mentiras, desinformação, fake news e, em alguns casos, sua proposta se concentra no bloqueio econômico, sanções ou medidas coercitivas unilaterais, em aliança com as forças neofascistas que os comandam desde os centros do imperialismo.

4. A iniciativa política está nas mãos das forças populares e dos governos progressistas do continente; o neoliberalismo incoerente e antidemocrático não tem nada a dizer ou propor, e só se consome em seus ataques midiáticos reativos às ideias das forças da esquerda latino-americana. O império conta com o apoio e controle das mídias tradicionais e digitais, que não conseguiram desmantelar os movimentos populares. Os retrocessos parciais que haviam conseguido temporariamente transformaram-se agora em vitórias, ou numa disputa aberta entre a ultradireita neofascista e as amplas frentes democráticas, progressistas e populares que avançam na construção e fortalecimento de coalizões unitárias que foram triunfantes.

5. Daí a importância de sustentar e aprofundar os esforços comuns que nos levaram a ampliar estas conquistas políticas, debatendo democraticamente e com respeito às nossas diferenças, priorizando as propostas estratégicas que nos unem.

6. Todo esse processo de eclosão social e resistência popular tem suas causas na crise geral, sistêmica e multidimensional do capitalismo, que expressa sua incapacidade de responder às necessidades dos povos, em sua insistência em promover guerras e conflitos, inclusive a violencia. O imperialismo configura regimes políticos que patrocinam um modelo baseado no funcionamento deficiente do Estado e sua privatização, o que aumenta o desgaste de seu sistema representativo e dos partidos de direita tradicionais, impedindo opções de mudanças reais que permitam a configuração de cenários de participação popular. Como resultado, o imperialismo encontrou a resposta social baseada na unidade de ação e no protesto indignado, o que impulsionou as forças políticas progressistas e de esquerda, e os movimentos sociais e populares da região, a obter importantes resultados eleitorais que traçam um caminho para a necessária transformação a favor dos mais necessitados. Consolidar e fortalecer a correlação popular de forças e a unidade em prol das transformações é um elemento determinante a ter em conta em cada caso e momento.

7. Estamos vivendo um momento crucial de resistência e luta continental. À firmeza e avanços de Cuba, Venezuela e Nicarágua, somam-se vitórias eleitorais que, tendo como premissa a unidade programática, frearam o desenvolvimento do neofascismo na região. As vitórias presidenciais no México, Santa Lúcia, Bolívia, Brasil, Colômbia, Honduras, Peru e Chile são exemplos eloqüentes. A crescente liderança dos presidentes do México, Honduras, Cuba, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Brasil foi decisiva para impedir as tentativas imperialistas de dividir e fragmentar a região.

8. A resistência popular no continente tem sido cruelmente reprimida pelas forças que se opõem a esses processos progressistas. A direita atua para manter o domínio e o controle da região em defesa de seu projeto político, fruto de seus interesses convergentes com o capital transnacional, sob a hegemonia do governo estadunidense. O objetivo principal, expresso descaradamente pelos representantes dos Estados Unidos, é manter o controle de nossos recursos naturais, retomando a Doutrina Monroe, 200 anos depois de sua proclamação, como a principal estratégia contra a soberania e autodeterminação das nações latino-americanas e caribenhas.

9. A mobilização massiva do povo peruano contra a conspiração golpista da ultradireita contra o governo eleito democraticamente, é também uma amostra do que se pode esperar no continente se continuar esta estratégia colonialista e imperialista.

10. A Covid-19 afetou dramaticamente toda a humanidade, expondo a natureza desumana do sistema capitalista e suas políticas neoliberais. Ao mesmo tempo, significou uma vitória moral, científica e de resistência para Cuba que, apesar do bloqueio intensificado, produziu suas próprias vacinas e imunizou sua população, assim como China e Rússia. Estas e outras nações têm cooperado de várias formas com numerosos povos do mundo na luta contra a pandemia, despertando a sensibilidade e a solidariedade entre os seres humanos.

11. As consequências da crise multidimensional do capitalismo, fruto de profundas desigualdades acumuladas, exacerbadas pela pandemia da COVID-19, têm um impacto devastador na vida dos povos e na estabilidade dos países, obrigando-nos a persistir em projetos políticos que colocam no centro o ser humano, a participação democrática popular, o predomínio do social e do coletivo, em nossa identidade latino-americana e caribenha; bem como, nos princípios inalienáveis da Carta das Nações Unidas e do direito internacional, em particular o respeito pela soberania e autodeterminação, gerando ações comuns e uma atitude de solidariedade e cooperação anticolonialista e anti-imperialista.

12. Diante desse cenário complexo, a história nos ensinou que somente a unidade na diversidade das forças políticas de esquerda, dos movimentos sociais e populares e da intelectualidade progressista nos permitirá enfrentar o imperialismo estadunidense, superar a difícil crise econômica e financeira, a inflação, as políticas regressivas dos governos neoliberais, reconstruir e fortalecer a integração da América Latina e Caribe, e fazer da necessária complementaridade entre nossos países uma realidade que contribua para o desenvolvimento econômico e social em benefício dos povos.

13. Hoje, mais do que nunca, valem as palavras de Bolívar, em sua conhecida Carta da Jamaica: “Rasgou-se o véu: já vimos a luz e querem nos devolver às trevas; as correntes foram quebradas; já fomos livres; e nossos inimigos tentam nos escravizar novamente”.

14. Conforme definido no documento Consenso de Nossa América: “De nossos sucessos e fracassos, ensinamentos e aprendizados, consideramos que lições suficientes são extraídas para legitimar nossa luta e nossos projetos. Estamos nos preparando para enfrentar e superar esta situação de forma resoluta e unida. É o que nossos povos esperam de nós e para isso devemos direcionar nossos esforços, retificações e perspectivas”.

II. A integração da América Latina e Caribe

15. “O que menos podemos fazer e o que menos a esquerda na América Latina pode fazer do que criar uma consciência em favor da unidade? Isso deve estar inscrito nas bandeiras da esquerda. (…) Não teríamos futuro sem unidade e integração”. Fidel Castro Ruz, Encerramento do IV Foro de São Paulo, Havana, julho de 1994.

16. O FSP tem entre seus postulados fundamentais a unidade e a integração das nações latino-americanas e caribenhas. Em cada um dos momentos dos governos progressistas, a força da integração foi revelada nas esferas parlamentares, nas ações dos movimentos sociais, populares e sindicais, nos fóruns acadêmicos e espaços culturais. A cultura, as artes, a poesia, os artistas, os saberes sociais são expressões autênticas das identidades, dos valores humanos, da solidariedade, da unidade e da rebeldia do nosso continente. Para este XXVI Encontro no Brasil, cabe destacar o papel fundamental dos artistas, intelectuais e ativistas culturais, ao lado de seus povos no esforço comum pela unidade, pela mudança, pela vida e pela paz em nosso continente.

17. Alguns acontecimentos permitem vislumbrar uma nova etapa do processo, quando o governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, do México, facilita o reinício do Diálogo Político na Venezuela, a ação solidária dos Chefes de Estado da Argentina e do México para salvar a vida de Evo Morales, quando a direita deu o golpe na Bolívia em novembro de 2019, são eventos políticos significativos, com destaque para a ampla e poderosa campanha Lula Livre, sua posterior libertação e recente vitória eleitoral. Todas essas são vitórias se tornam um marco na política da esquerda em nosso continente.

18. Demonstrou-se historicamente que é por meios políticos, ou seja, colocando a política em primeiro lugar, que um processo de integração pode ser desencadeado, e é assim que a renovação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) torna-se especialmente relevante, iniciada pelo governo mexicano da Quarta Transformação, e seguida pelo governo argentino do presidente Alberto Fernández, agora continuado por Ralph Gonsalves, de São Vicente e Granadinas. Apontamos a necessidade de maiores níveis de organização da CELAC, a partir do impulso que as forças políticas e os movimentos sociais podem dar.

19. Este caminho foi possível devido à derrota das forças antiintegracionistas que promoviam os governos de direita na região desde 2015; agora vivemos um novo momento, sem esquecer a firme posição contra o golpe no Peru, e pela confluência de forças sociais e políticas que apostaram tudo para contribuir com a realização do processo de paz na Colômbia. A esses fatos soma-se a tenaz e corajosa atuação da ALBA-TCP, ao erguer bem alto a bandeira da unidade, que nas novas condições permite avançar no processo de integração. Destacamos a retomada da UNASUL por iniciativa dos presidentes da Argentina, Alberto Fernández, do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e mais recentemente da Colômbia, Gustavo Petro.

20. São muitos os obstáculos a superar nesta nova etapa do processo de integração: a intensificação do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba e sua inclusão na lista espúria de Estados patrocinadores do terrorismo, as medidas coercitivas e sanções unilaterais contra a Venezuela e a Nicarágua, e o brutal estrangulamento da economia argentina deixado pelo governo do direitista Mauricio Macri, ao contrair uma dívida de grandes proporções que agora é paga pelo povo argentino, o aumento das taxas de juros pela Reserva Federal dos Estados Unidos, junto com o impacto da inflação no mercado internacional, acrescenta novos problemas à já complicada situação dessas nações, limitando seu desenvolvimento econômico.

21. As bases políticas e históricas da união latino-americana e caribenha nasceram com nossas repúblicas, desenvolvem-se fortemente no século XXI baseadas na defesa da soberania popular e dos direitos sociais e políticos dos povos. A integração é um programa político, um olhar para o futuro que tem como ponto de partida a nossa realidade e os imensos recursos naturais que nossa região possui.

22. Entre as tarefas prioritárias estão a possibilidade de implantar uma nova industrialização ecológica e produtiva, a cooperação cultural, científica e tecnológica, a base para o desenvolvimento das forças produtivas, o Banco do Sul, um fundo comum de estabilização macroeconômica, um audacioso plano integrado das infra-estruturas de transportes e comunicações, o incremento das relações comerciais intra-regionais, e assumir o tema da migração como um assunto comum. Todo esse esforço no campo da política e da economia como denominador comum se traduz no bem-estar social, nos direitos sociais e naturais, na erradicação da pobreza e na superação das agudas desigualdades sociais que se registram na América Latina e Caribe.

23. Em nossa visão, a integração regional é parte essencial para garantir nossa inserção soberana no cenário mundial, a construção de fortes mecanismos de cooperação e solidariedade, o fortalecimento das instituições regionais e globais e a construção de mecanismos de paz e resolução de conflitos baseados no diálogo multilateral e igualitário entre as partes.

24. A coordenação alcançada em nossas organizações regionais tem nos permitido aprofundar o debate franco e verdadeiro sobre os problemas globais que nos levam cada vez mais a um estado de violência contínua, com o aumento da desigualdade social, da pobreza e da fome, e da exploração descontrolada dos recursos naturais.

25. As nações do mundo devem buscar objetivos comuns, com relações igualitárias entre os países, sem aceitar que um governo se imponha aos outros, respeitando a pluralidade de povos, culturas e línguas, a diversidade nos modelos de organização econômica, política e social.

III. A guerra na Ucrânia

26. A eclosão do conflito na Europa, em fevereiro de 2022, somou-se aos problemas gerados pela pandemia.

27. O esforço dos Estados Unidos e seus aliados na União Européia para continuar a expansão progressiva da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para as fronteiras da Federação Russa levou a um cenário com implicações de alcance imprevisível, que poderia ser evitado. Este conflito tem múltiplas implicações e diferentes visões; no entanto, a consciência da necessidade de encontrar uma solução política é crescente em todo o mundo.

28. Neste sentido, vale destacar a proposta do Presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, e os doze pontos que o Presidente da China, Xi Jinping, colocou sobre a mesa, bem como a iniciativa do Presidente da Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, de trabalhar para criar um ambiente de diálogo e negociação.

29. Desde o FSP, estamos empenhados numa solução realista e diplomática para a guerra na Ucrânia e consideramos que esta posição pode ser partilhada por todas as forças políticas democráticas do continente. O diálogo e as negociações – não a guerra – são a única forma de resolver o conflito, sempre pela via pacífica, que garanta a soberania de todos, a paz, a estabilidade e a segurança regional e internacional.

IV. A economia e o mundo do trabajo

30. A fratura no mercado de trabalho continua, com perda de postos de trabalho no setor médio da distribuição de renda. A fratura do mercado é complementada pela perda de qualidade do emprego existente. Isso significa a expansão de empregos de meio período e prazo fixo sem benefícios, baixos níveis de segurança no emprego, bem como um número crescente de pessoas tendo que assumir mais de um emprego para equilibrar as contas. A perda de horas de trabalho tem sido particularmente alta na América Latina e Caribe.

31. Este processo de precarização das condições de trabalho e segurança social na região – também impactado pela pandemia do COVID-19 – afetou direta e profundamente mulheres, jovens e pessoas racializadas. Além de representarem a maioria dos desempregados em muitos de nossos países, as mulheres – especialmente negras e indígenas – que já acumulavam trabalhos de cuidado para sustentar suas famílias, encontravam-se sem suas fontes de renda e sobrecarregadas com tarefas domésticas.

32. Os jovens – que já sofriam os efeitos do neoliberalismo antes – são um grupo que também sofreu uma deterioração significativa no acesso ao mercado de trabalho na pandemia. A falta de acesso à educação, a interrupção dos estudos, a dificuldade em obter qualificação profissional, a redução da oferta de empregos e, consequentemente, o crescimento vertiginoso da informalidade são alguns dos desafios que os jovens passaram a enfrentar na pandemia. A crise migratória, gerada pelas políticas do modelo em crise, tornou-se mais uma catástrofe para milhares de trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo jovens, obrigados a buscar em outras terras, à custa de seu desenraizamento, melhores condições de vida, um drama humano e objetivo que só pode ser enfrentado adequadamente por meio de um esforço conjunto dos países e povos da região.

33. Junto a esse cenário estão aqueles que trabalham por conta própria e através de associatividades, que são reconhecidos como uma economia popular que troca trabalho e não capital e que fazem parte do mundo de quem vive do próprio trabalho e precisa de apoio de políticas públicas e de uma rede de segurança social.

34. O Foro de São Paulo está empenhado em resgatar os direitos violados das e dos trabalhadores e no enfrentamento das políticas neoliberais que ignoram conquistas sociais históricas e precarizam o trabalho, sempre defendendo o reconhecimento da estabilidade no emprego e salário digno. A luta pela atribuição de salário igual para trabalho igual para homens e mulheres, bem como pela redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais para o mesmo salário – este último já convertido em lei recentemente promulgada no Chile – representam uma bandeira da persistente mobilização dos trabalhadores para enfrentar a situação atual.

V. Mudança climática e meio ambiente

35. “Uma importante espécie biológica corre o risco de desaparecer devido à rápida e progressiva liquidação de suas condições naturais de vida, o homem. Agora estamos cientes desse problema quando é quase tarde demais para evitá-lo.” Fidel Castro Ruz, na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em junho de 1992.

36. A gestão sustentável do meio ambiente é decisiva para os governos e povos do mundo. A emergência climática chamou a atenção para a forma como exploramos e usamos os recursos naturais; os combustíveis fósseis e a importância das energias renováveis, associadas à utilização de água e pesticidas; desmatamento ilimitado como estratégia de acumulação rentista; poluição ambiental por plásticos e produtos considerados não naturais.

37. É inadiável o resgate de uma cultura ambiental global-territorial que nos permita mudar radicalmente o atual contexto de degradação ambiental, da qual os maiores responsáveis historicamente são as nações desenvolvidas, e que repercute em todo o planeta, afetando em demasia os países e populações mais pobres e vulneráveis. É urgente definir como podemos superar os conceitos e estruturas do modo de produção e consumo capitalista irracional e insustentável e suas consequências destrutivas para o meio ambiente, com base em uma abordagem de responsabilidades compartilhadas, mas diferenciadas.

38. O modelo de desenvolvimento social e econômico que nossos povos necessitam é garantido com um modo de produção sustentável; não deve ser pensado isoladamente, nem visando o consumo excessivo. Devemos buscar o caminho para uma transição ecológica social e economicamente inclusiva, participativa e que não cause mais danos ambientais. Devemos levar em conta o papel único de nossa região e seus recursos estratégicos na luta pelo processo de descarbonização da economia mundial, bem como de outros eixos na luta contra a mudança climática, trabalhando em nosso próprio projeto de desenvolvimento sustentável focado nas demandas específicas de nossos países.

39. Nossa região será extremamente afetada pelas mudanças climáticas e as principais vítimas dos eventos climáticos extremos serão as populações mais vulneráveis, por isso é necessário levar em conta a justiça climática, energética, social e econômica para pensar e propor soluções para esses problemas.

40. Para alcançar uma América Latina e Caribe ecologicamente sustentável, devemos avançar na transição e desenvolvimento da agricultura familiar e associativa para a produção de alimentos orgânicos; investir em formas sustentáveis e menos prejudiciais para as grandes produções agrícolas exportadoras, fomentando o cooperativismo; reduzir as desigualdades territoriais, repensando a descentralização das cidades e o acesso territorialmente mais igualitário aos serviços urbanos; reconhecer os povos nativos americanos, sua cultura e saberes ancestrais, respeitando o direito a suas terras; garantir a proteção da Amazônia e de seus povos indígenas. Também é fundamental rever a arquitetura jurídica criada pelos tratados internacionais, que garantem a impunidade das empresas transnacionais, trabalhando por mudanças legislativas que possibilitem a recuperação da soberania de nossos países.

41. A possibilidade da COP-30 ser realizada em um país amazônico, provavelmente o Brasil, nos próximos anos, configura-se como uma oportunidade para que partidos, movimentos e governos progressistas da região atuem na disputa dessa agenda a partir de uma perspectiva crítica sobre o sistema capitalista e ponha em evidência os saberes e avanços de nossos povos na construção de uma consciência humana voltada para o desenvolvimento sustentável e pautada nos valores do bem viver.

42. O FSP está comprometido com todas essas iniciativas governamentais, movimentos sociais, povos e organizações indígenas, afrodescendentes e populares, a fim de reverter os danos causados à Amazônia e trilhar um caminho de trabalho reparador para sua preservação. Nossa selva amazônica oxigena e refrigera o planeta, é um dos bens mais preciosos da humanidade, assim como, juntamente com nossos planaltos andinos, uma fonte insubstituível de nossas reservas de água.

VI. Estados Unidos e a Doutrina Monroe

43. Os EUA pretendem reverter seu declínio e recuperar seu status hegemônico anterior, em um esforço desesperado que põe em risco a paz mundial. Aí residem as ameaças fundamentais à soberania, ao desenvolvimento e à justiça social que pairam sobre os povos de Nossa América.

44. O império é palco de uma crise estrutural, aprofundando a polarização da riqueza, aumentando as desigualdades, a exploração e a pobreza dentro dos Estados Unidos, mas com repercussões na América Latina e Caribe. Sua queda é crescente, mas gradativa, não ocorrerá de imediato ou a curto prazo. Manifesta-se na visível incapacidade de controlar, como no passado, as tendências emancipatórias dos povos, derrubando processos, revolucionários ou não, percebidos como ameaças.

45. Essa crise é um fenômeno objetivo, mas requer um enfrentamento subjetivo. Como disse Fidel no discurso de proclamação da Segunda Declaração de Havana, em 4 de fevereiro de 1962, “sabe-se que na América e no mundo a revolução vencerá, mas não cabe aos revolucionários sentar-se na porta de sua casa para ver passar o cadáver do imperialismo”. Por isso, a principal tarefa estratégica que nos convoca é a luta antiimperialista, antifascista e antineoliberal, baseada na unidade de pensamento, programa e ação.

46. As contradições internas do império devem ser adequadamente compreendidas pela esquerda mundial e latino-americana como vulnerabilidades do sistema, que nos permitem estreitar laços com as forças anti-hegemônicas internas dos Estados Unidos, somar solidariedade e esforços conjuntos em favor de um mundo melhor, que é possível.

47. Hoje o império contra-ataca com uma estratégia reforçada. Realiza a renovação de seu sistema de dominação, hegemonia e controle. Aprofunda o expansionismo, o militarismo e a guerra, promove o genocídio e a depredação do meio ambiente, combina fórmulas tradicionais e inovadoras apoiadas em desenvolvimentos tecnológicos no campo da indústria bélica, cultura, comunicação e tecnologia da informação, aplicados sob uma geopolítica renovada, que não só inclui espaço geográfico, territorial, marítimo e aéreo, mas também ideológico, midiático, cibernético e aeroespacial. Recorre a modalidades convencionais e não convencionais, no desenrolar da guerra e da subversão, para conseguir as mudanças de regime que persegue em todas as latitudes.

48. Duzentos anos após a proclamação da Doutrina Monroe, o projeto de dominação dos Estados Unidos sobre América Latina e Caribe ocorre em um ambiente marcado por ameaças à sua hegemonia em escala regional e internacional. A disputa com a China, a crescente presença de forças políticas progressistas e de esquerda nos governos da região, a revitalização e consolidação da CELAC, ALBA-TCP, UNASUL, entre outras, constituem desafios importantes para um país afetado por crises múltiplas que se manifesta nas esferas econômica, política, social e cultural. A presença de Dilma Rousseff à frente do Banco dos BRICS pode ter um impacto importante para o avanço da multipolaridade e a favor de políticas de desenvolvimento de nossa região.

49. A construção de estratégias articuladas pela direita intensificou o perfil ideológico, deslocando o espectro para posições de extrema direita e fascistas, diante do que apontam como “os avanços do autoritarismo e do populismo”, aludindo ao fato de que a esquerda vem ganhando espaço na América Latina e, mais uma vez, demonizando o pensar e agir transformador promovido pela FSP.

50. Os Estados Unidos têm um papel de liderança nesse fenômeno, por meio de partidos e líderes americanos e organizações como a União de Partidos Latino-Americanos (UPLA) e a Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC), muito ativas especialmente durante 2022. Além da OEA, que continua se comportando como um instrumento do imperialismo na região, com a participação protagonista de seu secretário-geral, Luis Almagro – agora alvo de acusações de corrupção e violação do código de ética da organização – no golpe das eleições bolivianas de 2019.

51. É importante destacar a articulação da extrema direita na América Latina, por meio de seus partidos, organizações e lideranças, com maior grau de agressividade; bem como suas possibilidades de influenciar a disputa pelas bases sociais na região por meio da CPAC, que há quase meio século reúne lideranças do mundo conservador, e mais recentemente pelo Foro de Madrid, impulsionado pelo partido espanhol de extrema direita VOX, por meio da mídia e redes sociais que domina.

52. A tendência geral do sistema capitalista em escala planetária, em sua fase atual, é de declínio progressivo da hegemonia ideológica, militar, política e econômica do imperialismo estadunidense, e isso pode ser medido pela tendência de queda de sua capacidade exportadora e produtiva, no endividamento crescente da economia norte-americana, nas sucessivas tempestades do sistema financeiro internacional, fruto da não superação das causas que levaram ao “crash” de 2008, e por un processo que recentemente se acelerou, a decisão de várias economias para todos os continentes para deixar de lado o uso do dólar como moeda de comércio internacional.

53. Aos poucos, surgiu a ideia de usar uma “cesta de moedas” nas transações financeiras e comerciais em escala global, uma proposta que já foi formulada dentro das Nações Unidas, tese essa que se foi confirmando nas últimas semanas pela decisão de Estados de todos os continentes de negociar em suas moedas.

VII. China e América Latina e Caribe

54. A cooperação entre América Latina e China não é nova, e a tendência é que ela se expanda no futuro. Vale ressaltar que esses vínculos, antes limitados em grande parte ao intercâmbio tecnológico e comercial, agora deram um salto qualitativo na arena política.

55. A China representa um fator de estabilidade e equilíbrio para a região da ALC, manifestada na defesa dos princípios do Direito Internacional, em particular a não ingerência nos assuntos internos dos países latino-americanos, aos quais, além disso, tem prestado cooperação sem condicionamento político.

56. As relações entre a CELAC e a China têm se ampliado e aprofundado, sempre baseadas em critérios inclusivos, respeito e benefício mútuo. Pode-se afirmar que não há conflito de interesses entre a China e América Latina e Caribe, pois a República Popular da China não atacou ou ocupou ilegalmente nenhum território latino-americano, não impôs sanções unilaterais, não promoveu golpes de estado ou impôs ditaduras militares. O interesse da China e da CELAC em realizar uma Cúpula em 2024 constitui uma demonstração do interesse em aprofundar as relações.

57. Além disso, não só promoveu o comércio de mercadorias, mas também colaborou na fabricação e lançamento de satélites, na fabricação de aeronaves e no setor de biotecnologia, sendo neste último uma referência da cooperação sino-cubana. Da mesma forma, a China tem contribuído para a infraestrutura e para uma indústria mais tecnológica da região, por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota, à qual já aderiram 21 países latino-americanos, sempre com a garantia de respeitar nossa soberania.

58. É igualmente importante manter e aprofundar o diálogo substantivo que desenvolvemos com o Partido Comunista da China através do Ciclo de Debates “China e América Latina: Olhando para a Nova Era”, realizado em 2022.

59. A diplomacia chinesa avança no mundo e aumenta sua influência para a paz, como os bem-sucedidos esforços para reatar as relações diplomáticas entre a Arábia Saudita e o Irã, bem como a recente visita do presidente francês Emmanuel Macron, que mais tarde propôs à Europa adotar uma posição independente da China ou dos EUA na questão de Taiwan. Não podemos deixar de mencionar a decisão da presidente Xiomara Castro, de Honduras, de abrir relações diplomáticas e comerciais com a China, apesar das pressões para manter o reconhecimento de Taiwan.

60. Por meio dessas relações, podemos trabalhar mais profundamente para avançar na construção da multipolaridade no mundo e na troca de experiências sobre desenvolvimento sustentável, de forma independente e sem interferência de terceiros.

61. É preciso estar alerta para uma nova ameaça, uma nova guerra fria pela tecnologia, que tem como objetivo bloquear o setor tecnológico da China e condenar nossos países à dependência tecnológica das hegemonias da Europa e dos Estados Unidos, por meio de “alianças digitais”. O verdadeiro objetivo é impedir o avanço da Iniciativa do Cinturão e Rota e consolidar um bloco de países para uma nova guerra fria, agora digital, contra a China.

VIII. A luta anti-imperialista

62. Nos últimos anos, a América Latina e Caribe registraram níveis alarmantes de crescimento da pobreza extrema, enquanto os sistemas políticos oligárquicos, subordinados aos Estados Unidos e aos diversos setores transnacionais do poder, protegem o capitalismo predatório e continuam a assediar os governos figuras e forças políticas progressistas e de esquerda do continente.

63. Os efeitos negativos da ordem econômica internacional para a região, em que as decisões políticas predominantes favorecem a obtenção de lucros para as elites, por cima da elevação do padrão de vida da população, a preservação da vida humana e do meio ambiente, aumentaram ainda mais as disparidades e a pilhagem dos recursos naturais.

64. Este sistema reverteu, onde teve oportunidade, os avanços sociais e políticos obtidos por governos progressistas em anos anteriores, apoiando governos neoliberais e candidatos políticos de direita e extrema-direita, refugiando-se nos sistemas judiciais locais, na mídia hegemônica, na redes e plataformas digitais que controlam, para atacar, perseguir, aprisionar e minar figuras e organizações progressistas e de esquerda.

65. O descrédito em que caíram os governos neoliberais nos últimos anos, como consequência cumulativa do agravamento das condições econômicas e sociais, tem provocado a resistência e a luta dos povos, que não podem ser contidas pela repressão estatal.

66. A articulação que busca a maior unidade na diversidade entre forças progressistas, governos de esquerda e progressistas, movimentos sociais e populares, movimentos sindicais, de mulheres, camponeses, indígenas, juvenis, estudantis e setores da intelectualidade, arte e cultura, LGBTQIA+ e setores religiosos, revitaliza a luta social em diferentes campos, com formas inovadoras de mobilização social.

67. Está em curso uma mudança da correlação de forças na região, com a vitória de novos governos com projetos voltados para a justiça social e a defesa de sua soberania. No entanto, essas conquistas por si só não serão suficientes para resolver as graves lacunas e problemas sociais que continuam a assolar a maioria de nossos países hoje.

68. Em seu conteúdo, destacaram-se os ataques mentirosos ao FSP e a lideranças progressistas na América Latina e Caribe, com adesões à Carta de Madri, documento que antecede o Foro de Madri, que confronta o FSP desde a Espanha, patrocinado pelo partido de extrema-direita VOX, e mais recentemente com a constituição do “Grupo Liberdade e Democracia”, que reúne a direita ibero-americana, por iniciativa do chileno Sebastián Piñera.

69. Nesse panorama, interpõem-se as ameaças derivadas da Doutrina Monroe, que busca limitar a soberania, a independência e a autodeterminação das nações latino-americanas e caribenhas.

70. A IX Cúpula das Américas, realizada em Los Angeles, é uma manifestação inequívoca da continuação das reivindicações hegemônicas dos Estados Unidos no hemisfério e suas intenções de dividir a América Latina e Caribe, com a decisão injustificada e unilateral de excluir Cuba, Venezuela e Nicarágua. No entanto, a reunião foi um fracasso político, devido à posição digna de presidentes e primeiros-ministros da região de se ausentarem em repúdio à decisão do governo dos Estados Unidos, à condenação da maioria dos países a essas exclusões e às denúncias expressas que pedem a eliminação do intensificado bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto a Cuba, sua exclusão da lista espúria de Estados patrocinadores do terrorismo, das medidas coercitivas unilaterais contra a Venezuela e sanções à Nicarágua.

71. Os Estados Unidos também realizam um variado arsenal de assédio contra a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América-Tratado de Comércio dos Povos (ALBA-TCP), buscando com isso enfraquecer os paradigmas de acordo político, cooperação e integração promovidos pelos governos dos países membros desta aliança.

72. A esquerda e o progressismo sofrem ataques constantes de seus adversários, determinados a restaurar os modelos de exclusão e exploração. Do acúmulo de debates, artigos e estudos realizados pelo FSP e intelectuais progressistas sobre a recente ofensiva conservadora em nosso continente, é preciso avançar em um diagnóstico profundo que extraia lições e orientações para, na medida do possível, antecipar e enfrentar em melhores condições as ações desestabilizadoras do imperialismo.

73. Os desafios são enormes e eventuais retrocessos podem ocorrer, pois as forças conservadoras e ultrarreacionárias da região continuarão buscando a reversão de cada avanço progressista. A unidade na diversidade, a solidariedade, a cooperação e o internacionalismo consistente em torno de um programa de ação e de uma prática política são fundamentais como parte da estratégia que nos permite enfrentar esses ataques.

74. As forças políticas de esquerda e os movimentos sociais, populares e solidários, juntamente com a intelectualidade progressista, devem continuar trocando experiências e conhecimentos adquiridos, reforçando seus mecanismos de organização e articulação como princípios táticos e estratégicos, considerando as condições específicas de cada país e promovendo coordenação a nível continental.

75. Multiplicam-se na América Latina e Caribe as jornadas de luta pelas justas causas dos povos, em apoio aos programas sociais dos governos democráticos e progressistas em benefício dos mais amplos setores populares. Devemos usar a ciência e a inovação a favor do desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável, das comunicações e das redes sociais digitais para divulgar as realidades nacionais, por meio de meios de comunicação alternativos e públicos, e enfrentar os grandes meios de comunicação ligados ao imperialismo e seus aliados, a suas campanhas de subversão ideologias político-ideológicas destinadas a desacreditar as ideias progressistas, alienar a juventude e subverter a ordem interna em países que não são do seu agrado.

76. Neste 2023, devemos relembrar os 50 anos dos golpes no Chile e no Uruguai, eventos que fortaleceram o avanço das ditaduras militares em nossa região. Não podemos esquecer essas duas feridas da nossa história, cujas consequências ainda estão presentes. A magnífica experiência de Unidade Popular no Chile, liderada por Salvador Allende e interrompida pelo golpe militar de Pinochet em 1973, continua sendo um marco na história dos povos latino-americanos e caribenhos, por sua capacidade de construir a unidade na diversidade, seu compromisso com o povo chileno e com os povos latino-americanos em suas lutas. Junto a isso, devemos lembrar a morte do comandante Hugo Chávez há 10 anos, depois de chegar ao poder democraticamente, sofrer um golpe e retornar à presidência. Chávez iniciou um novo capítulo na Venezuela e em todo o continente, ao se tornar um exemplo de luta contra o neoliberalismo e o imperialismo, iniciando o enfrentamento concreto das heranças das ditaduras militares na América Latina e Caribe.

IX. A luta pela paz e a democracia

77. Este XXVI Encontro se realiza tendo como pano de fundo a guerra na Ucrânia. A expansão da OTAN para as fronteiras da Federação Russa, o aumento do orçamento para a guerra e a pressão para abandonar a política de neutralidade de alguns países europeus, bem como o pacto militar AUKUS (Austrália, EUA e Reino Unido) no Pacífico, representam uma ameaça à paz mundial e aos esforços de construção de um sistema internacional baseado no multilateralismo.

78. O imperialismo continua a ser a forma superior assumida pelo capitalismo. Na tríade formada pelo grande capital financeiro estadunidense, os mais poderosos estados europeus e o Japão, o papel predominante é desempenhado pelos Estados Unidos, devido à sua força militar com a qual busca estabelecer sua hegemonia global. Este país desconhece os Acordos de foguetes de alcance intermediário e continua promovendo a construção de bases militares no mundo. Na América Latina, militariza os oceanos ao posicionar a Quarta Frota sobre as águas do Caribe e do Atlântico Sul.

79. Os Estados Unidos dirigem, com o Comando Sul, 76 bases militares em nossa região, o que representa uma séria ameaça à soberania, independência e desenvolvimento democrático da grande maioria dos Estados nacionais globalmente e, em especial, no continente. Destacamos a política de envolver os países do Pacífico latino-americano em uma cruzada militar contra a China, que inclui diversas formas de pressão do Comando Sul. É importante mencionar que seu Comando está em Honduras e que, apesar disso, a Presidenta Xiomara Castro tem se mantido firme em seu apoio e amizade com os governos progressistas da América Latina e contra as atitudes belicistas dos Estados Unidos na região e em outras partes do mundo.

80. Um aspecto central desse desenho é o novo papel atribuído à OTAN, como um pacto militar agressivo que busca ampliar sua implantação de intervencionismo na América Latina e no Caribe. A Colômbia é parceira global e principal aliada desde 2018. Argentina e Brasil, desde 1998 e 2019, respectivamente, são aliados extra-OTAN.

81. A OTAN procura integrar os Estados na sua lógica militar com o objetivo de aplicar o conceito de “inimigo interno” e a Doutrina de Segurança Nacional (estadunidense), que hoje assume as características da chamada “Guerra Híbrida”.

82. Essa dinâmica é extremamente perigosa para todos os povos latino-americanos e caribenhos e para toda a segurança hemisférica. Nesse sentido, é imprescindível defender e cumprir a Proclamação da América Latina e Caribe como Zona de Paz, aprovada na II Cúpula da CELAC em janeiro de 2014, em Havana, com base no respeito aos princípios e normas do Direito Internacional , incluindo os instrumentos internacionais dos quais os Estados Membros são parte, e os Princípios e Propósitos da Carta das Nações Unidas, bem como o compromisso permanente com a solução pacífica de controvérsias, a fim de banir para sempre o uso e a ameaça de uso da força em nossa região. Devemos destacar e comemorar a retomada das relações entre os governos da Colômbia e da Venezuela, promovida desde a chegada de Gustavo Petro à presidência e as políticas de diálogo e distenção com Nicolás Maduro.

83. A luta para acabar com a dependência e conquistar uma nova ordem econômica mundial baseada no multilateralismo requer a formação de alianças estratégicas entre os povos e países do sul global. Nossos povos latino-americanos e caribenhos estão unidos por profundas raízes culturais e históricas aos povos e movimentos de libertação da África. Devemos aprofundar a aliança estratégica entre a CELAC e a União Africana.

84. Apoiamos os esforços dos governos de Gustavo Petro e Francia Márquez pela Paz Total, cuja base fundamental é a implementação integral dos Acordos de Havana, como uma causa que compromete todos e todas por combinar soluções políticas para os conflitos com avanços significativos da democracia direta participativa. Apoiamos o apelo do Presidente Petro nas Nações Unidas para acabar com a política dos EUA de “guerra às drogas”.

X. Luta contra o colonialismo

85. As nações latino-americanas e caribenhas vivem sob constante ameaça do imperialismo e do colonialismo, que junto com as elites locais e as corporações transnacionais buscam impedir nosso desenvolvimento democraticamente justo e sustentável.

86. O FSP ratifica sua solidariedade e apoio ao Caribe em seu direito de receber tratamento justo, especial e diferenciado e em sua legítima reivindicação de reparação pelos danos causados pelo colonialismo e pela escravidão. Estamos profundamente preocupados com a deterioração da situação no Haiti. Esse país irmão precisa de uma contribuição especial da comunidade internacional para sua reconstrução e desenvolvimento. A humanidade tem uma dívida com essa República fundadora. Somos solidários com o povo haitiano.

87. As lutas pela independência das nações caribenhas são parte indissociável das do FSP. Ratificamos nosso compromisso inequívoco com a autodeterminação e independência de Porto Rico. Apoiamos fortemente os movimentos de resistência e oposição contra o colonialismo na Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa, Bonaire, Saint Martin/Sint Maarten, Aruba, Curaçao, Ilhas Virgens Americanas, Anguilla, Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Monserrat, Ilhas Turks e Caicos. Defendemos uma participação mais ativa do Caribe nas atividades da FSP.

88. As ocupações ilegais das Ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich, territórios argentinos – e dos espaços marítimos circundantes – são um atentado à soberania argentina e a presença militar do Reino Unido no Atlântico Sul representa uma ameaça constante à região latino-americana e caribenha.

89. América Latina e Caribe não podem ser considerados plenamente uma região de paz e prosperidade para seus povos enquanto perdurarem essas situações de ocupação e ameaças contra as nações de nosso continente.

90. Como parte integrante de nossas lutas pela soberania e independência no mundo, devemos manter uma solidariedade ativa com a luta da Frente Polisário pela descolonização do Saara Ocidental. Apoiamos o aprofundamento das relações entre os governos e povos da América Latina e Caribe e da República Árabe Saaraui Democrática.

91. Também é necessário aumentar a solidariedade com o povo palestino contra a agressão e ocupação, a criação do Estado Palestino livre e independente com suas fronteiras anteriores a 1967 e Jerusalém Oriental como sua capital.

XI. Batalha de ideias e comunicação

92. As redes sociais se tornaram nos últimos anos um importante espaço de debate público em nossos países, mas também se tornaram um lugar marcado pela polarização, extremismo e notícias falsas. O livre fluxo da comunicação é constantemente corrompido por “ruídos” que muitas vezes impedem qualquer forma efetiva de diálogo e entendimento, e por um sistema que desencoraja o contraponto e a tolerância das diferenças.

93. É impossível pensar nos desafios democráticos atuais sem enfrentar as questões contraditórias colocadas pelo progresso tecnológico de sociedades hiperconectadas que transformaram estilos de vida, interação social e construção de debates políticos.

94. Cada vez mais, o acesso do usuário à Internet se dá pela regulação algorítmica da atenção, baseada na proximidade e na crença, já que as redes sociais também são controladas por grandes corporações; sua lógica algorítmica responde a seus interesses econômicos e está subordinada à política do governo estadunidense. Seis transnacionais norte-americanas controlam 80% do tempo e os dados de quase 6 bilhões de usuários ativos na Internet.

95. Esse processo de desinformação, por sua vez, é um processo complexo que implica riscos concretos para as democracias, além de violar pressupostos básicos da noção de liberdade de expressão e comunicação e do direito à informação, constituídos tanto no âmbito interno de nossos países como internacionalmente.

96. Os exemplos são muitos e vão desde o impacto das fake news nos processos eleitorais democráticos de muitos países americanos, como a eleição de Trump nos EUA em 2016 e o caso brasileiro de 2018 e a eleição de Jair Bolsonaro, até o crescente número de episódios de violência nas escolas, motivados pela proliferação de discursos de ódio nas redes sociais, ou mesmo pelo aumento de episódios de violência política.

97. Um esforço e reflexão conjunta de nossos países e transdisciplinar no que diz respeito às estratégias de combate a esses fenômenos serão cada vez mais necessários para garantir e construir os pilares da democracia na era digital, entre os quais a confiança e a informação são requisitos básicos.

98. Não se deve, em hipótese alguma, deixar de considerar que são múltiplas as possibilidades de uso das tecnologias sob outro signo que não o da desigualdade, da predação e da alienação de milhões de seres humanos.

XII. Conclusão

99. Podemos resumir este documento básico do XXVI Encontro do FSP afirmando que temos a responsabilidade histórica de aproveitar esta segunda oportunidade de ter na América Latina e no Caribe uma maioria de governos formada por forças políticas e movimentos sociais progressistas. Vamos superar as diferenças, vamos construir a mais ampla unidade na diversidade dos partidos, dos movimentos sociais e populares e da intelectualidade progressista e de esquerda dentro de cada organização, país e continente. O imperialismo e a extrema-direita fascista estão à espreita como feras. Portanto, a unidade anti-imperialista e anti-neoliberal é um imperativo incontornável como caminho principal para a vitória.