Democracia e regionalismo: uma homenagem a Nani Stuart, por Terra Budini

“É hora de visualizar a pequenez de uma política deintegração sujeita aos humores dos governos de turno.”
Ana Maria Stuart

Para marcar os 30 anos do Foro de São Paulo proponho retomar as reflexões de Nani Stuart sobre o vínculo constitutivo entre democracia e regionalismo1, não apenas em homenagem a seu papel fundador na construção do Foro, mas também como elemento da luta política que temos pela frente. A relação entre integração regional e democracia foi aspecto central em suas reflexões intelectuais, em sua prática política à frente da assessoria internacional do Partido dos Trabalhadores e em sua própria vida pessoal -como sabem aqueles que a conheciam.

Ainda que a rigor o Foro não seja um projeto de integração, podemos extrapolar o sentido estrito para refletir sobre essa experiência à luz das ideias de democracia e regionalismo. A criação do Foro envolveu um compromisso com a construção democrática de consensos e a percepção de um destino comum para nossa América Latina. Assim, em plena ofensiva neoliberal, o Foro se constituía reunindo diversas vertentes políticas, entre comunistas, socialistas, partidos democrático-populares, social-democratas, numa iniciativa inédita de construção de um fórum de esquerda plural na região.

Após uma década de construção política na SRI e no Foro, Nani viveu a onda de vitórias eleitorais de partidos de esquerda e progressistas na região, que simbolicamente tomou corpo de forma quase simultâneano Brasil e na Argentina, com a eleição de Lula e Kirchner entre o final de 2002 e início de 2003.Em texto em sua homenagem na revista Teoria & Debate de março de 20082, o também saudoso Marco Aurélio Garcia escreveu “a Nani – e a todos nós – tocou viver em um mundo em profunda e radical mutação (…). [m]as a ela também tocou viver estes dias luminosos para as esquerdas sul-americanas”. Foram mesmo dias luminosos, momentos raros nos quais a luta de anos e décadas parece prestes a se concretizar. Foi um novo momento do Foro de São Paulo e da política internacional do PT, que a um só tempo trazia a implementação de diversas iniciativas de fortalecimento do Mercosul e da integração regional, mas também as limitações da ação política do governo.

Hoje, num contexto de retrocessos em direitos ao redor do mundo e de desmonte das iniciativas de integração, pensar a democracia em contexto regional é elemento central para a agenda política dos partidos de esquerda e progressistas na América Latina. Desde os anos 60, conhecemos as discussões sobre integração regional e desenvolvimento, mas pouco refletimos sobre a relação entre democracia e regionalismo. Recuperar as reflexões da Nani não é apenas uma homenagem a seu papel fundador, mas é uma necessidade para a luta política num contexto de golpes impunes,de nacionalismos toscos, de apologia à violência, de intolerância e obscurantismo.

1 Ana Maria Stuart,Democracia e regionalismo: uma construção possível, FFLCH-USP, 2002

2 “Hasta la Victoria, siempre!”, por Marco Aurélio Garcia.Teoria & Debateedição 76, 01/03/2008. Disponível aquí.