Declaração final – Montevidéu – 2008

Reunidos em Montevidéu, no XIV Foro de São Paulo, entre os dias 23 e 25 de maio de 2008, com a participação de 844 delegados de 35 países, os partidos participantes declaram:

O XIV Foro se realiza num momento em que a humanidade se encontra ameaçada pelas políticas de uma globalização impulsionada unicamente em benefício do grande capital.
A política de guerra preventiva levada adiante pelos Estados Unidos e seus aliados levaram sangue e morte a várias regiões do mundo. O império pretende por essa via desenvolver suas aspirações hegemônicas, brecar o desenvolvimento autônomo dos nossos países e os processos de unidade e integração que permitam ao nosso continente uma melhor defesa de suas riquezas naturais.
Hoje o planeta se encontra ameaçado pela profunda deterioração do meio ambiente e pela mudança climática, produto da exploração selvagem dos recursos naturais. Não obstante, os países industrializados se negam a tomar medidas acordadas em fóruns internacionais que impeçam continuar pelo caminho do desastre.
A crise financeira nos EUA ameaça, junto com o aumento incontrolável do preço do petróleo, provocar uma recessão em escala mundial.
A manipulação e especulação desatada pelas grandes transnacionais aproveitando o aumento da demanda mundial de alimentos, a concentração da propriedade das terras, as monoculturas irracionais, o uso do milho por parte dos Estados Unidos para produzir etanol e o controle das fontes aquíferas, têm provocado uma escalada nos preços dos produtos agrícolas, que comporta o perigo de afundar grandes populações do mundo em uma fome de incalculável alcance.
 
A situação da América Latina e do Caribe nestes tempos
“Não vivemos uma época de mudanças mas sim uma mudança de época.”
O momento político da América Latina se caracteriza pelo contínuo avanço das forças políticas de esquerda e forças sociais, que se reflete na conquista do governo por parte de forças progressistas pertencentes ao Foro. Isso ocorre em 13 países da América Latina e do Caribe.
Os movimentos e organizações sociais e cidadãs ganham também cada vez mais espaços através de suas lutas contra as políticas neoliberais e organizam múltiplas manifestações e fóruns onde impulsionam a permanente apresentação de alternativas aos modelos que foram implementados no nosso continente nas últimas décadas.
Como manifestamos na palavra de ordem deste XIV Foro, as forças progressistas do continente que se encontram no governo buscam por diferentes vias implementar projetos que, conforme as características próprias de cada país, lhes permitam enfrentar os principais problemas gerados pelo neoliberalismo. Em todos os nossos países, os níveis de marginalidade, pobreza, analfabetismo, carência de planos de saúde, a violência estrutural, e endividamento externo e interno, a falta de coesão social, a privatização de importantes recursos que foram arrancados da soberania dos nossos países, constituem uma herança muito pesada.
Nesse quadro, se bem é inegável a diversidade de projetos, também é real que todos eles estão contribuindo para o desenvolvimento, a afirmação da soberania e o progresso dos nossos países. As políticas sociais impulsionadas por todos eles constituem um pri-meiro passo para enfrentar os graves problemas existentes.
Comprovou-se repetidamente o fracasso das receitas dos organismos multilaterais de crédito: FMI, BID, BANCO MUNDIAL e todos os governos progressistas têm empreendido caminhos diferentes e à margem dessas receitas.
 
O bloco conservador se opõe às mudanças
O avanço dos projetos progressistas na América Latina está sendo enfrentado pelo imperialismo dos EUA e pelas direitas nacionais, as empresas transnacionais e em forma muito importante também pelas grandes empresas midiáticas que sistematicamente realizam campanhas de desinformação.
A ofensiva da direita apresenta múltiplas formas:
Introduziu na América Latina o conceito de guerra preventiva e aumentou a militarização. É uma situação totalmente inédi-ta comandada pelos EUA e que utiliza o governo da Colômbia como cabeceira de ponte. O exemplo mais flagrante é o ataque militar levado adiante no território do povo irmão do Equador. A recente ativação da IV frota marca a tentativa dos EUA de amedrontar os nossos povos e governos.
As direitas nacionais tentam levar adiante processos em alguns países, como a Bolívia e a Venezuela, na contramão da história que nesse momento é de integração dos nossos povos.
Tentam, mediante a fraude, como no caso do México, impedir que novas forças progressistas alcancem o governo. Em 2009, se não forem cumpridas as recomendações da OEA e outras organizações internacionais, corre-se o risco de se repetir o mesmo nas próximas eleições de El Salvador.
Criminalizam o protesto social e a luta política da esquerda. Ainda hoje apelam para a privatização de empresas estratégi-cas, como no caso do México com seus enormes recursos petrolíferos.
São mantidas, em pleno século XXI, situações coloniais, como é o caso de Porto Rico.
 
Neste XIV Foro de São Paulo, nós, partidos nele reunidos, manifestamos que:
Saudamos o povo paraguaio e todos os partidos e organizações sociais que contribuíram para o triunfo da candidatura do com-panheiro Fernando Lugo, a quem desejamos sucesso e manifestamos a nossa vontade de contribuir em todos os aspectos de sua gestão.
Lutaremos para garantir a paz e a estabilidade democrática na região latinoamericana e caribenha. Por isso rejeitamos o Plano Colômbia, a Iniciativa Mérida e o Plano Balboa, entre outros, que são a ponta de lança da intervenção militar e da ingerência política na região, ameaçando os projetos de transformação em andamento.
Fecharemos filas para impedir que o conceito de guerra preventiva que tem lavado com sangue e destruição os povos do mundo se instale no nosso continente. Em tal sentido, a política antiterrorista de Bush e seus aliados buscam criminalizar o protesto social, assim como perseguir os movimentos sociais e políticos que lutam pela transformação de nossos povos. Rechaçamos toda forma de terrorismo, mas nos negamos a usar essa desculpa para criminalizar o protesto social e cobrir de medos a sociedade.
A situação vivida pela irmã República da Colômbia constitui o principal fator de risco para a estabilidade e a paz da região. Por isso, devemos extremar nossos esforços para chegar a uma saída negociada do conflito armado, que garanta uma paz duradoura e evite a generalização do conflito na região. O acordo humanitário constitui um passo significativo nessa direção que permite a libertação dos reféns civis e militares.
Defendemos em toda instância a vigência dos direitos humanos, e o aprofundamento da democracia constitui para os nos-sos partidos um objetivo permanente. Nosso continente sofreu milhares de desaparições e assassinatos como consequência da sua luta pela liberdade, pela democracia e em defesa da justiça e da paz.
Continuaremos lutando contra o bloqueio que há décadas sofre a irmã República de Cuba. O XIV Encontro saúda muito espe-cialmente os companheiros cubanos neste anos, em vésperas de comemorar 50 anos da sua revolução. Exigimos mais uma vez a libertação dos cinco patriotas processados ilegalmente nos EUA por evitarem atos de terrorismo.
Impulsionaremos os diversos projetos de integração que, esperamos, possam convergir – MERCOSUL, Comunidade Andina, CARICOM, ALBA-TCP e UNASUL – e que permitam acabar com a velha realidade das veias abertas da nossa América. Integração que, sem ser cópia de modelos geocêntricos, reflita a realidade da nossa região e se constitua em benefício dos nossos povos e como alternativa à globalização neoliberal.
Não haverá destino para os nossos países se nos mantivermos isolados. A América Latina e o Caribe são o continente da esperança. Suas riquezas são incalculáveis mas a sua inserção no mundo dependerá exclusivamente da força da legitimidade que alcançarem os seus processos de integração. Os países centrais aspiram a nos dividir para conseguirem acordos comerciais em seu exclusivo benefício. Respondamos com a nossa integração.
Saudamos e apoiamos firmemente a criação da UNASUL, que engloba iniciativas como as do Banco do Sul, como eixo de uma futura unidade dos países e dos povos da América do Sul, e a proposta de criação do Conselho Sulamericano de Defesa. Seu fortalecimento permitirá avançar na criação de uma organização permanente integrada unicamente pelos países da América Latina e do Caribe, sem exclusões.
Expressamos a nossa solidariedade com os processos levados adiante pelos governos irmãos da Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e rejeitamos as tentativas de desestabilização por parte dos Estados Unidos.
Proporemos impulsionar projetos de desenvolvimento sustentável que, respeitando o meio ambiente, defendendo a biodiversidade e com o ser humano como centro, assegurem a sobera-nia alimentar e o desenvolvimento cultural dos nossos povos.
Como parte da defesa das nossas riquezas naturais, expressamos a nossa solidariedade com o México em sua luta para preservar os seus recursos petrolíferos.
Apoiamos e defendemos os diretos e reivindicações dos povos originários e os afrodescendentes, exigimos o respeito das suas tradições, saberes e cultura, e a defesa dos seus território interculturais.
Lutaremos pela democratização dos meios de comunicação, colocando-os ao alcance de toda a sociedade, em particular da-queles que nunca foram ouvidos. Declaramos a nossa decisão de lutar pela igualdade social de acesso à tecnologia da infor-mação e à Internet, que deve preservar o seu caráter de bem público global.
A luta contra o narcotráfico e suas redes requer um novo olhar mais integral, que inclua a corresponsabilidade dos grandes países consumidores, um enfoque de saúde pública, e a não criminalização dos cultivos. Lutamos contra o tráfico e a ex-ploração sexual de meninas, meninos e mulheres.
A migração é um fenômeno multifatorial. Em sua expressão econômica, é uma tragédia social e familiar para os nossos países, que deve ser enfrentada com políticas públicas de de-senvolvimento social e emprego dirigidas a melhorar as condições de vida dos nossos povos. Exigimos o respeito irrestrito dos direitos humanos dos migrantes, que são violentados nos países receptores, sobretudo nos Estados Unidos, na União Europeia e no Japão. Pronunciamo-nos contra a construção de muros e a favor da livre circulação das pessoas.
Prosseguiremos a luta para acabar com o fenômeno do colonialismo. Acolhemos os processos de descolonização no Caribe como prioridade e condição para que possa prevalecer uma verdadeira democracia na América Latina e no Caribe. Reiteramos o chamado de apoio à livre determinação e independência de Porto Rico com base na Resolução 1514 (XV) da Assembleia Geral da ONU.
Unimo-nos aos esforços de solidariedade com a autodeterminação e independência de Porto Rico para levar o seu caso pe-rante a Assembleia Geral da ONU a partir do presente ano.
De igual maneira, respaldamos as demandas de descolonização e independência de Bonaire, Curaçao, Martinica, Guadalupe e Guiana.
Os partidos do Foro de São Paulo agradecem à Frente Ampla do Uruguai pela organização do XIV Foro e o caloroso recebimento que ofereceram a todos os delegados.
Foi uma nova oportunidade para reafirmar os laços que unem os partidos que o integram e a vocação de unidade na diversidade que é nosso sinal de identidade.
Na pluralidade e diversidade do Foro de São Paulo reside o segredo de uma longa e frutífera existência. Em sua capacidade de “debater sem se ferir, discrepar sem se dividir e polemizar
sem deixar de se sentir companheiros” está a garantia da sua preservação como um autêntico espaço de socialização de experiências e de articulação de ações de solidariedade.
Promoveremos a unidade das esquerdas e o fortalecimento das suas organizações políticas em todos os países como ferramenta importantíssima para impulsionar os processos de mudança.
Nesse sentido, recomendamos ainda o fortalecimento das organizações de juventude no âmbito dos partidos políticos membros do Foro de São Paulo, bem como a criação de um espaço de articulação próprio entre as organizações de juventude dos partidos membros.
Comprometemonos a redobrar esforços para alcançar a equidade de gênero e saudamos os avanços alcançados nessa luta que se manifesta na presença de duas presidentas, amplas bancadas femininas e um importante número de companheiras liderando movimentos sociais.
Ao culminar nossos trabalhos em Montevidéu, deixamos uma fraterna saudação ao povo uruguaio e nos convocamos para o XV Encontro na Cidade do México, onde continuaremos reafirmando a nossa inquebrantável vontade de luta para alcançar a definitiva libertação dos nossos povos e pelo socialismo.
 
Montevidéu-Uruguai, 25 de maio de 2008