Clube dos ricos rompe princípio da solidariedade na Europa

Os quatro governos mais ricos da UE são conservadores e levantam a bandeira da austeridade tanto em seu país como na cambaleante eurozona. Seu triunfo na sexta-feira significou a derrota do clube dos “pobres” e dos “atribulados” no complexo mundo das 27 nações que conformam a UE. Com 27 membros e uma arteriosclerose institucional, a crise econômica está desnudando algo muito mais sério no coração do projeto europeu. Um princípio fundante do projeto – a solidariedade – está sendo questionado. O artigo é de Marcelo Justo, direto de Londres.
Por Marcelo Justo – Direto de Londres – 26/11/12
Em um comparecimento especial na Câmara dos Comuns, o primeiro ministro britânico reivindicou a posição do chamado clube dos ricos da Europa – Inglaterra, Alemanha, Holanda e Suécia – que impediu um acordo sobre o novo orçamento europeu, na sexta-feira passada. “Nosso governo, junto com outros, rechaçou uma proposta que aumentava o orçamento anual europeu. Como contribuintes desse orçamento, nossa mensagem foi clara. Não vamos ser duros com nossos orçamentos em nível nacional e aprovar grandes aumentos na Europa”, assinalou Cameron.
Os quatro governos mais ricos da União Europeia são conservadores e levantaram a bandeira da austeridade tanto em seu país como na cambaleante zona do euro. Seu triunfo na sexta-feira significou a derrota do clube dos “pobres” e dos “atribulados” neste vasto e complexo mundo que são as 27 nações que conformam a UE. Os primeiros, principais beneficiários dos fundos para o desenvolvimento, tem entre seus membros os ex-países comunistas da Europa do Leste. Entre os “atribulados”, desesperados por fundos que ajudem a equilibrar suas contas fiscais no futuro, se encontram os PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) de uma eurozona ameaçada pelo fantasma da moratória.
O orçamento europeu é financiado com uma complexa fórmula que diferencia contribuintes líquidos (nove nações que aportam mais do que recebem) e receptores (os outros 18 que recebem mais do que aportam). A luta entre as duas partes é um clássico do folclore da UE que esconde uma negociação muito mais complexa do que uma simples dicotomia branco e preto. Como o orçamento tem como princípio dirigente a busca de uma homogeneização econômica das distintas regiões da UE, entre os receptores de ajuda se encontram zonas de países que são grandes contribuintes. Um deles, a França, costuma tecer alianças com os receptores porque é o grande beneficiário da Política Comum Agrícola que consome cerca de 38% dos gastos.
As negociações para o último orçamento que a UE conseguiu aprovar começaram em maio de 2005 e só se resolveram em dezembro daquele ano, após várias rodadas de estrondosos fracassos. Mas o orçamento não é nem de longe o problema mais grave que a Europa enfrenta hoje. Em primeiro lugar, porque ele valerá a partir de 2014 e, em segundo lugar, porque há mecanismos institucionais para que a UE siga funcionando mesmo que não haja acordo.
Com 27 membros e uma certa arteriosclerose institucional, a crise econômica está desnudando algo muito mais sério no coração do projeto pan-europeu. Um princípio fundante do projeto – a solidariedade – foi claramente questionado pelo vendaval financeiro desatado em 2008. Essa solidariedade permitiu a incorporação nos anos 80 de nações menos desenvolvidas da Europa, como Espanha e Portugal, que deram um grande salto econômico devido, em grande medida, às ajudas europeias.
A quebra de solidariedade se percebe também no interior da união monetária – a eurozona – como se viu desde o estouro da crise da dívida soberana com a Grécia no início de 2010. Liderado pela chanceler alemã Angela Merkel e um ideário neoliberal, com a inestimável aliança do Fundo Monetário Internacional (FMI) , o clube dos ricos impôs a fórmula da austeridade extrema e o resgate no último momento (dias antes da moratória). O resultado está à vista. A crise, que começou com um país que constituía 2,3% do PIB da eurozona – Grécia – se estendeu a outras três nações que tiveram que ser resgatadas – Portugal, Irlanda e Chipre. Nos últimos meses, ameaçou a Espanha e já apontou a próxima da lista: a Itália.
O projeto pan-europeu foi idealizado por estadistas da estatura de Jean Monet e Robert Schuman com as cinzas da Segunda Guerra Mundial. Essa ideia embrionária, que começou com uma comunidade econômica de carvão e aço em 1951, foi se aprofundando graças à visão de políticos de distintas cores mas similar convicção. O eixo franco-germano, coluna vertebral da União Europeia, driblou sem dificuldade as dificuldades ideológicas dos mandatários de plantão. O mandatário socialista Willi Brandt e o conservador francês George Pompidou consolidaram o projeto pan-europeu nos anos 70 com a mesma firmeza que caracterizou François Miterrand e o conservador alemão Helmut Khol nos anos 80 e 90.
Nada disso se percebe nos atuais mandatários, muito mais preocupados com seus problemas internos do que com a solidez do modelo econômico social europeu.
Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior