A nova doutrina da Otan

Por Kjeld Jakobsen*
Os Estados Unidos e a União Europeia foram os principais promotores de duas iniciativas na segunda quinzena de maio visando retomar a hegemonia da governança mundial abalada pela crise econômica iniciada em 2007 e agora agravada no continente europeu, bem como pelos altos custos das guerras imperialistas que moveram durante a última década. Primeiro foi a Cúpula do G-8 em Camp David, nos EUA, em 19 de maio, que aprovou uma contraditória resolução para enfrentar a crise por meio de medidas de austeridade combinadas com crescimento econômico. e em seguida a 25ª Cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) durante dois dias, em Chicago.
A agenda oficial desta última era a discussão sobre o encerramento das operações da Otan no Afeganistão, mas na prática visou aprofundar o entendimento sobre a nova doutrina da organização para que ela substitua os Estados Unidos no papel de gendarme mundial.
A Otan foi criada em 1949 e era uma coalizão militar entre os países capitalistas do hemisfério norte para fazer frente ao poderio da União Soviética. No entender de seu primeiro secretário-geral, Lord Ismay, seu objetivo era “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães para baixo” no espaço geopolítico setentrional do Oceano Atlântico. Com o fim dos regimes de socialismo real no Leste Europeu e da aliança militar desses países (Pacto de Varsóvia) em 1991, bem como da própria Guerra Fria, em tese a Otan perderia sua razão de ser, mas não foi assim.
Além da ampliação dos países membros com a adesão de alguns ex-integrantes do Pacto de Varsóvia, como a República Tcheca e a Hungria, entre outros, e alguns países balcânicos, chegando a um total de 28 associados, buscou-se disponibilizar o poderio militar da Otan para atender aos interesses, principalmente, dos EUA e da União Europeia, passando inclusive ao largo do Conselho de Segurança da ONU quando esses viessem a sofrer oposição da Rússia e da China, como ocorreu no caso da intervenção em Kosovo e do bombardeio da Sérvia em 1999.
Aos europeus interessava naquele momento neutralizar os nacionalistas sérvios e ampliar sua influência política e econômica em direção aos Bálcãs e ao Leste Europeu. O preço do engajamento dos Estados Unidos nesse projeto foi o abandono da tentativa de criar uma organização de segurança europeia comum e substituí-la pela Otan a partir de 2002.
Em 2001, a Otan foi a base da coalizão que invadiu o Afeganistão em resposta ao “11 de Setembro”, mas para atacar o Iraque dois anos depois foi formado outro fórum liderado pelos EUA e pela Inglaterra, devido à oposição da França e da Alemanha a essa iniciativa bélica articulada pelos americanos.
Na 24ª Cúpula, realizada em Lisboa em 2010, foi aprovada a nova doutrina de “parcerias globais”, prevendo a possibilidade de intervenções militares da Otan não apenas para proteger seus países membros, mas para agir em qualquer região do mundo contra o terrorismo e em defesa da democracia e dos direitos humanos.
A ideia de criar uma “Liga das Democracias”, em que os países “democráticos” possam manejar seus interesses relacionados a segurança sem sofrer restrições de países “não democráticos” ou então o veto da China ou da Rússia no Conselho de Segurança da ONU partiu de John McCain, candidato presidencial republicano derrotado por Barack Obama em 2008. No entanto, Obama adotou a proposta de McCain com a intenção de “dirigir o veículo desde o assento traseiro”, como ocorreu na intervenção da Otan na Líbia em 2010 para derrubar o presidente Muamar Kadafi e como pretende agora ao atribuir à Otan a tarefa de instalar o escudo antimíssil no Leste Europeu anteriormente planejado por George Bush.
Os membros da Otan respondem atualmente por 70% dos gastos mundiais em armamentos e defesa, dos quais 43% de responsabilidade apenas dos EUA. Na Cúpula de Chicago, além dos 28 membros da organização, compareceram 32 países convidados, mostrando assim a clara intenção de ampliar sua representação. O que ainda não está resolvido é o orçamento e o rateio das contribuições dos associados.
O debate do G-8 sobre a crise visa neutralizar o G-20 financeiro e a nova doutrina da Otan pretende substituir o papel da ONU nos temas relacionados a segurança. São reações à ascensão de novos atores internacionais como os Brics e ao fortalecimento do multilateralismo que, ao contrário do que defendem os americanos e europeus, tornam o mundo mais inseguro.
*Kjeld Jakobsen é consultor em Cooperação e Relações Internacionais
Fonte: Teoria e Debate