Declaração final – Buenos Aires – 2010

Declaração final do XVI Encontro

O Foro de São Paulo celebra vinte anos de existência. Neste mo-mento, valorizamos o vigor deste espaço de unidade, solidariedade internacionalista, intercâmbio e cooperação entre os partidos e or-ganizações políticas de esquerda da América Latina e do Caribe, que em seu XVI Encontro continua se fortalecendo como expressão do novo quadro político vivido por nossa região.
A América Latina e Caribenha vive mudanças profundas. Entre essas mudanças, destacam-se as ações dos governos de
esquerda e progressistas, que desde 1998 estão edificando mais democracia e mais qualidade de vida para as maiorias populares antes excluídas, assim como mais soberania nacional e integração continental entre países que antes estavam submetidos isoladamen-te às ameaças de império.
Entre as diferentes expressões da integração latino-americana e caribenha, ressaltam a Aliança Bolivariana para os Povos da Amé-rica Latina (ALBA) e seu trabalho solidário; a União de Nações Sul-americanas (UNASUL), que jogou um papel extraordinário con-tra aqueles que queriam dividir a Bolívia e a favor da reconciliação entre as irmãs nações da Colômbia e da Venezuela; e a Comunida-de de Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), um esca-lão superior na dinâmica de integração, que de alguma maneira recolhe os postulados originários dos pais e mães fundadores da Nossa América.
As mudanças na nossa região têm como pano de fundo a crise do capitalismo neoliberal e a deterioração da hegemonia estadunidense. A crise do capitalismo é profunda e ainda não está superada. Como resultado disso, mas também do nosso trabalho, o Estado, os interesses nacionais, a solidariedade, a integração regional e o so-cialismo se fortalecem como alternativas das sociedades frente aos descalabros do modelo de sociedade de mercado. Ao mesmo tempo, o multilateralismo e a multipolaridade vão se fortalecendo como alternativas ao unilateralismo imperial.
Os movimentos sociais, os partidos progressistas, democráticos, populares, nacionalistas, de esquerda, nossos parlamentares e go-vernos locais, estaduais e nacionais tiveram uma participação de-cisiva nessas mudanças. Sem a nossa intervenção, poderia aconte-cer o que acontece em outras regiões do planeta, onde a crise do neoliberalismo abre espaço para soluções conservadoras.
Este é o grande êxito do Foro de São Paulo, criado em 1990, no contexto da ascensão neoliberal, da crise do socialismo no Leste Europeu e do unilateralismo imperial dos Estado Unidos. Resisti-mos, lutamos, apresentamos propostas, defendemos nossas ideias, estamos realizando governos transformadores e estamos vencendo aqueles que falaram em pensamento único e fim da história.
As forças conservadoras nos nossos países e seus aliados exter-nos não aceitam esta situação e fazem o possível para deter e rever-ter os avanços das esquerdas. Para esse fim, dispõem de todos os meios: as campanhas midiáticas e eleitorais, os golpes, o bloqueio econômico e as pressões militares.
O XVI Encontro do Foro de São Paulo ocorre em meio ao trans-curso da luta política entre os setores populares e a direita, que é a marca dos últimos anos, na disputa acirrada pelos rumos do nosso continente. No último período, junto a movimentos de contra-ata-que postos em marcha pela direita e pelo imperialismo estaduni-dense, persiste a iniciativa das forças de esquerda. Prossegue, com importantes avanços, o processo de integração sul e latino-ameri-cano. Em 2009, observaram-se as reeleições presidenciais na Bolívia e no Equador; no Uruguai a Frente Ampla obteve nova vitória e em El Salvador a FMLN foi vitoriosa.
Nesses e noutros países, como México e Peru, o Foro de São Paulo joga um papel positivo na unidade das forças populares e de esquerda.
Para derrotar o contra-ataque das direitas e do imperialismo, para continuar avançando, o XVI Encontro do Foro de São Paulo indica como tarefas fundamentais para os partidos e organizações de esquerda e progressistas da América Latina e do Caribe:
ampliar a unidade dos partidos progressistas, populares e de esquerda;
consolidar as conquistas e não ceder nenhum espaço para a direita;
aprofundar as mudanças nos países que governamos; apoiar os partidos de esquerda que ainda não são governo na
região;
derrotar o contra-ataque da direita; acelerar o processo de integração;
fazer deste ciclo de governos progressistas e de esquerdas o ponto de partida para um novo modelo de desenvolvimento para a América Latina e o Caribe.
Estas foram algumas das principais conclusões do XVI Encontro do Foro de São Paulo, que se realizou de 17 a 20 de agosto de 2010, em Buenos Aires, Argentina, com a presença de 600 delegados e delegadas, convidados e convidadas de 54 organizações, provenien-tes de 33 países.
O Foro incluiu, além dos plenários, oficinas temáticas: sobre par-lamentares; autoridades estaduais e locais; fundações e escolas ou centros de capacitação; políticas de defesa regional e continental; meio ambiente e mudança climática; movimentos sociais (contra a criminalização); trabalhadores da arte e da cultura; democratiza-ção dos meios de comunicação; segurança, delinquência organiza-da e direitos humanos; soberania nacional e descolonização; migrações (Declaração de Los Angeles, Lei Arizona, leis europeias); en-contro de gênero; II Encontro de juventudes; Regional Andino-ama-zônica; Regional Cone Sul; Regional Mesoamericana e Caribenha, cujas conclusões principais são objeto de resoluções especiais apro-vadas pelo XVI Encontro.
O XVI Encontro sugere a inclusão na agenda do Foro da temática racial, na perspectiva de formalizar a cooperação política entre os movimentos e os partidos que integram o Foro, com o propósito de universalizar a luta contra o racismo e a xenofobia em todas as suas expressões, por todos os cantos da América Latina e do Caribe.
Reconhecemos o papel estratégico da cultura na luta política, como um direito humano inalienável, como um bem superlativo para os nossos povos e tendo a educação como um grande aliado e o único caminho possível em sua defesa. Um dos principais ativos da Amé-rica Latina e do Caribe é nossa diversidade cultural, já que a cultu-ra é um bem inesgotável.
A estratégia contra-insurgente dos Estados Unidos acarretou a intervenção militar e a militarização da segurança pública nos pa-íses da América Latina, sob o argumento da luta contra a real ação e violência das bandas delinquenciais e do narcotráfico que puse-ram em estado de crise humanitária os nossos povos e que são pro-tegidas, política e financeiramente, pelas próprias elites dominan-tes às quais servem.
Por isso, o FSP convoca os partidos, governos e movimentos de-mocráticos e de esquerda a abrirem os espaços para o debate e for-mulação de ideias e propostas em vistas à construção de uma polí-tica regional integral antidrogas que seja apresentada perante o XVII Encontro do Foro de São Paulo.
O Foro abordou o tema do colonialismo na região caribenha e aprovou a decisão de levar o caso colonial de Porto Rico para a As-sembleia Geral das Nações Unidas, comparecendo com uma dele-gação perante o Comitê de Descolonização.
O XVI Encontro do Foro de São Paulo, realizado em Buenos Ai-res de 17 a 20 de agosto de 2010, expressa sua plena solidariedade com a demanda argentina pela descolonização dos arquipélagos das Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, ocupadas pela Grã Bretanha desde o século XIX; apoia as resoluções das Nações Uni-das que instam ambas as partes em conflito a iniciarem de imedia-to as negociações – às quais a Coroa Britânica vem se negando sis-tematicamente – tendentes a por um fim nessa rêmora do passado colonial particularmente anacrônica neste século XXI, quando vá-rias nações celebram o Bicentenário da gesta independentista que as viu nascer como repúblicas.
O Encontro do Foro de São Paulo expressa sua profunda preocu-pação pelo estabelecimento da grande base militar da OTAN de Mount Pleasant, na Ilha Soledad, que constitui um perigo para to-dos os povos e países da região e contradiz abertamente a resolução da ONU que exige fazer do Atlântico Sul um oceano de paz e coope-ração; e adverte que a presença dessa fortaleza militar na Ilhas Malvinas foi e é um fato de força esgrimido pelo governo britânico para continuar negociando com grandes empresas transnacionais a concessão de licenças de pesca e de exploração de petróleo, o que constitui uma ação ilegal por se tratar de um território em disputa de soberania.
O Foro teve a oportunidade de compartilhar com a presidenta da República Argentina, Cristina Fernández e com outras autorida-des do governo argentino, através de quem transmitimos o nosso agradecimento ao povo e aos setores populares argentinos pela ca-lorosa recepção oferecida ao XVI Encontro do Foro de São Paulo.
O Foro prestou homenagem à vida exemplar da heroína porto-riquenha Lolita Lebrón, consciência sublime da luta centenária do continente latino-americano e da luta do povo porto-riquenho por sua libertação nacional.
O XVI Encontro do Foro de São Paulo prestou homenagem ao destacado dirigente comunista do Chile, Luis Corvalán, que foi pro-tagonista durante quase 40 anos de fatos notáveis da história chi-lena, que já estão inscritos como parte inerente das nossas lutas, e com uma contribuição para a libertação dos povos da América e que continuarão repercutindo e influindo nas nossas lutas por mui-to tempo.
O XVI Encontro do FSP também rendeu uma afetuosa homena-gem a um grande pensador e revolucionário venezuelano, como foi Alberto Muller Rojas, quem se desempenhou em vida como primei-ro vice-presidente do Partido Socialista da Venezuela (PSUV).
O FSP manifestou ainda a sua solidariedade com as forças revo-lucionárias e socialistas da Venezuela e auguram uma contunden-te vitória nas eleições legislativas que terão lugar no próximo dia 26 de setembro.
O Foro fez uma homenagem também a Tomás Borge por ocasião de seu aniversário e decidiu que a sede do XVII Encontro será a cidade de Manágua, Nicarágua.
O Foro recebeu ainda Manuel Zelaya e decidiu incorporar ao Foro de São Paulo a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP).
Muitas foram as mensagens recebidas durante os quatro dias de Foro, entre as quais destacamos as do Partido Comunista de Cuba. O Foro reafirma nossa solidariedade com Cuba, a condenação ao bloqueio, a demanda pela libertação dos cinco heróis.
O Foro recebeu mensagem do presidente Lula, do Brasil, e ex-pressa seu apoio e esperança na vitória eleitoral das forças pro-gressistas nesse país.
Parte importante das reflexões do XVI Encontro do Foro de São Paulo foi dedicada ao tema da paz.
A situação internacional se caracteriza por novas ameaças de guerras, não obstante o rotundo fracasso das investidas imperialis-tas no Iraque e Afeganistão. Rejeitamos firmemente o caminho da guerra imperialista e levantamos a bandeira da paz e o diálogo no conflito das potências imperialistas contra o Irã e outros países ameaçados pelos EUA e a OTAN.
Compartilhamos das vozes que alertam o mundo sobre os riscos de um conflito militar de gravíssimas consequências, motivo pelo qual saudamos a recente assinatura do Acordo de Teerã, entre Bra-sil, Turquia e Irã, em defesa do direito, consagrado nas normas in-ternacionais, de domínio da tecnologia para a produção de energia nuclear com fins pacíficos por parte de países em desenvolvimento.
E convocamos a uma forte mobilização pela paz na América Lati-na e no Caribe.
O Foro de São Paulo se pronuncia pela retirada de todas as bases militares estrangeiras da América Latina e do Caribe, condição sine qua non para a preservação da paz na região.
A paz no mundo está ameaçada pela estratégia dos Estados Uni-dos, que tenta compensar o seu declínio ideológico, político e econô-mico com o recurso da ação militar, campo no qual continuam ten-do uma hegemonia incomparável.
Na América Latina e no Caribe, a estratégia dos Estados Unidos é representada pelo Plano Colômbia, as bases militares antigas e novas na região, a reativação da IV Frota, assim como a presença dos serviços de inteligência e policiais, sob pretextos vários.
A solução política negociada para o conflito armado colombiano se constitui numa prioridade para a paz regional e para o avanço dos governos progressistas e de esquerda. Em consequência, o Foro de São Paulo se compromete a impulsionar uma ação decidida com os governos e movimentos sociais na região. Em especial buscará que a UNASUL desempenhe um papel de facilitação ou mediação.
O Foro de São Paulo reafirma que as saídas militares não soluci-onam o conflito de várias décadas, muito pelo contrário, aumentam a crise humanitária que padece o povo colombiano. Mais de quatro milhões de deslocados e refugiados, centenas de milhares de desa-parecidos e assassinados, valas comuns, detenções arbitrárias, ameaças e ataques aos movimentos sociais e aos partidos de oposi-ção política.
Para o Foro de São Paulo, é necessário que se respeite o Direito Internacional Humanitário e os Direitos Humanos, que se acabe com a prática do sequestro, da desaparição forçada, das detenções arbitrárias e se avance na libertação de pessoas retidas e na concretização de acordos humanitários. É igualmente necessário que se garantam os direitos das vítimas à verdade, à justiça, à repara-ção e à não repetição, bem como à devolução das terras despojadas.
O Foro de São Paulo defende um plano de paz que se fundamente numa saída política negociada e justa para o conflito interno colom-biano, que inclua:
a imediata libertação de todos aqueles que foram privados de sua liberdade com motivo do conflito político;
o fim das hostilidades; a agenda humanitária;
uma negociação com mediação externa.
Outrossim, o Foro de São Paulo manifesta o seu respaldo ao res-tabelecimento das relações entre Colômbia e Venezuela. O Foro de São Paulo faz parte do esforço pela paz, dispondo-se a cumprir o papel que as partes diretamente envolvidas julgarem adequados.
O tema da defesa regional e continental passa a constituir uma das dimensões do processo de integração regional. Em especial sau-damos o surgimento do Conselho Sul-americano de Defesa, no âm-bito da UNASUL. Denunciamos o papel e a presença de atores extrarregionais – notadamente do imperialismo estadunidense – como fator de instabilidade em matéria de segurança e defesa na nossa região. Rejeitamos a existência de bases militares estrangei-ras na América Latina e no Caribe e reafirmamos a proposta de que a nossa região se constitua numa zona de paz. Por fim, sauda-mos o processo de renovação doutrinal no pensamento estratégico dos países dirigidos por forças progressistas e apoiamos a ideia, no âmbito da UNASUL, de afirmação de um pensamento geopolítico autóctone, que valorize as nossas independências e soberanias na-cionais.
O Foro de São Paulo nasceu num momento no qual o neolibera-lismo parecia invencível. Hoje, quando se realiza a comemoração do Bicentenário dos numerosos processos independentistas latino-americanos e caribenhos, podemos afirmar que o FSP é uma inicia-tiva bem-sucedida.
Nosso sucesso não reside em que tenhamos conseguido alcançar todos os nossos objetivos. Ainda estamos longe disso: um exemplo é a situação do Haiti, para o qual o Foro de São Paulo convoca à soli-dariedade internacional.
Nosso êxito reside em que contribuímos não somente a construir a época de mudanças em que estamos, mas principalmente porque escolhemos um caminho que está nos levando a construir uma mudança de época.
Um caminho baseado na resistência ao capitalismo neoliberal, na valorização da democracia, na construção de um novo modelo econômico-social de desenvolvimento, em novas formas de gover-nar, em defesa do socialismo e na percepção de que a unidade das esquerdas, em todas as suas diversas expressões, é uma condição essencial para a nossa vitória.
Viva os povos latino-americanos e caribenhos! Viva o Foro de São Paulo!
Buenos Aires-Argentina, 20 de agosto de 2010